A mulher que colecionava rugas

Rugas, sulcos na face que começam a aparecer nos de mais idade. Nada mais são do que sinais indicativos de vivência. Sobrevivência às intempéries da vida. Sinais indeléveis que a infância se foi. Perdida em doces recordações do que fomos e não somos mais.

Elas não só denunciam envelhecimento. Sinais que aparecem na face na idade provecta. Uns mais prematuramente e outros mais tarde.

Rugas nos passarinham pela face. Quem não as tem não viveu. Não sofreu as agruras da existência. Não amou de verdade. Não perdeu uma cara metade. E nem ao menos viu uma pessoa amada se despedir em má hora. Prometendo voltar a não retornou depois de longa espera.

Rugas são sulcos rasos como quando o arado revolve a terra molhada depois de uma chuva camarada. Precedendo o plantio de sementinhas que um dia eclodirão da terra. E em pouco tempo a roça de milho mostra espigas graúdas. Que um dia serão enterradas num buraco não tão profundo. Para dar de comer as vacas.

Rugas pra mim são a expressão não apenas do envelhecimento. Elas indicam por vezes sofrimento. Das horas perdidas a espera de um filho que um dia volta ao regaço da casa de onde partiu.

Um dia. Já se foi ao longe. Quando voltava de uma festa de quinze anos. Avistei. Bem perto. Uma velhinha confabulando com sua netinha.

A aniversariante era aquela meninazinha.

Elas, comodamente assentadas à soleira da porta da casa de sua avó. Olhava as rugas daquela senhora idosa. Acarinhava seus cabelos brancos. E olhava com ternura seus olhos encovados. Antes negros e cheios de viço. Agora mortiços e inexpressivos. Mal podendo enxergar a um palmo do próprio nariz.

A garotinha, recém egressa dos seus quinze anos. Admirava sua avozinha com um carinho profundo.

A avozinha, do seu lado, olhava a sua netinha com um ar de abandono. Afinal muitos anos se passaram desde quando elas se viram.

A linda neta, no viço dos seus quinze anos. Ao passar a mão pela face da avó. Preocupada com aqueles sinais de envelhecimento que nunca havia observado dantes. Ao olhar pra ela disse lacrimejante: “vozinha. Como a senhora está diferente. Não vejo mais seu olhar brilhante. Agora eles não brilham mais. Parece que uma cortina branca embaça sua visão. E seus cabelos minha querida avozinha. Embranqueceram de vez pra sempre. O que mais me impressiona são os sucos profundos que se mostram em sua face. Quantas rugas se deixam ver”.

Aquela avó, já bem andada em anos, com uma expressão de desalento, tentou explicar a sua neta o significado daquelas rugas.

“As minhas rugas minha querida. Cada uma delas denuncia noites indormidas quando esperava a sua mãe. Que voltava tarde de uma festa. Em más companhias pensava eu. São elas a expressão exata de tantas coisas ruins que me passavam pela cabeça. Naqueles tempos bons da minha juventude. Quando só tinha olhos para ela muitos anos antes de você nascer. Cada desses sulcos que mostro na minha face quer dizer momentos de preocupações quando seu pai estava desempregado. O dinheiro faltava para as mínimas necessidades. E eu não podia ajudar embora muito o desejasse. Cada uma dessas rugas que coleciono agora é uma mostra do quando eu amo a vocês todos. Meus filhos e netos. Vivendo meus últimos momentos da minha vida incerta até me levarem embora. Cada um desses sulcos tem a ver com as privações que tive de enfrentar quando seu avô se despediu da gente. Dando um trabalhão danado e somente eu tinha de cuidar dele. Minhas rugas. Minha querida neta. Não são apenas sinais de que estou velha. Cada uma delas indica o quanto quero bem a você. Enquanto estivermos juntas no tempo de vida que me resta”.

Aquela velha senhora, que colecionava rugas, enfim se fez entender a razão de tantas rugas que exibia na face.

 

Deixe uma resposta