Os anos que já vivi não foram descartados das minhas lembranças.
Doces inquietudes da minha infância. Quando euzinho, menino ainda, aos cinco anos vim ter aquela rua que daqui não se pode ver devido à escuridão. Nessa madrugada de um dia treze de junho. Quando as ruas ainda se mostram vazias. Dada à essa hora ainda cedo. Meu relógio assinala bem menos de seis. Em pouco tempo o clarume de um novo dia se deixa ver nesse céu escuro. Meio noite enveredando-se madrugada afora.
Hoje não confabulei com o espelho. Lavei meu rosto evitando dialogar com ele.
Na última vez que aconteceu essa conversa ouvi, de sua boca espelhada, alcagueta falastrão, algo que não gostaria de ouvir: “vê se te enxerga velho babão. Não vês que teu cabelo. O que dele restou. Fica mais branco que penas de ganso. Seus olhos mortiços mal enxergam direito. Sua papada é mais que suficiente para alimentar uma porcada faminta. Seu andar tropeça. Cuidado para não quebrar a bacia e permanecer seus últimos dias inválido num leito de hospital. Dando trabalho aos seus cuidadores. Faça uma poupança para pagar suas contas. Que cada vez mais vão se acumular no tampo da mesa. Cuidado velhote. Não penses que vai viver por muito tempo ainda. Não vou ao seu velório. Nem vou chorar sua perda”.
Daí a minha aversão a confabular com espelhos. Evito ao máximo esse contratempo. Enquanto tiver tempo para continuar a viver.
Sem sequer prever o quanto tempo mais tenho de vida continuo a pensar no tempo que me resta.
Esses setenta e quatro não os tenho mais. Os que terei daqui pra frente pretendo torná-los mais e mais atraentes.
Esforço-me para não precisar procurar ajuda de colegas. Como especialista cuido muito bem da minha próstata hipertrofiada.
Exercito-me mais do que preciso. Uso as pernas rotineiramente sem carecer de autos para me locomover. Não tenho pressa mas não sei esperar. Chego antes da hora marcada. Sofro por excesso de sensibilidade. Condôo-me da dor alheia. Escrevo mais do que leio. Já li mais. Tenho na estante atrás de mim mais de vinte livros de minha lavra. Crônicas, então. Contabilizo uma infinidade delas.
Gostaria de seguir em frente. Embora desconheça por quantos anos mais.
Desde que a saúde não esmoreça. Que o desejo de viver continue indelevelmente grudado dentro do meu eu.
Gostaria de ir mais adiante desde que consiga caminhar. E não precise me abengalar.
Gostaria de caminhar vida afora desde que não tenha de precisar de ajuda de terceiros para minha caminhada. Que ela seja plena de alegria e bem estar. Que eu consiga fazer as pessoas felizes como eu tento ser. Que não economize de mostrar meu bom humor. Que nunca pare de retratar o cotidiano o qual prezo tanto.
Nessa minha caminhada vida afora não tenha de ouvir desaforos. Já passei do tempo de escutar sandices. Mal olhados resvalam em mim e não me atingem.
Gostaria sim de ir bem mais adiante. Embora evite contar anos e não acumular desenganos irei por ai afora.
Nessa minha caminhada pela estrada da vida pretendo viver muitos anos mais. Desde que a felicidade me acompanhe. E o desejo de viver continue aceso dentro de mim.
Enquanto persistir viva dentro de mim essa vontade inquebrantável de continuar como estou. Desperto para o bem viver. Fazendo bem aqueles que me cercam. Sem cercas divisórias entre nós. Vou continuar assim.
Sem me olhar no espelho. Isentando-me de escutar maus conselhos. Já que me sinto dono de mim mesmo. Agradando ou não aqueles indivíduos que só desejam mal aos seus iguais.
Gostaria sim de ir bem mais adiante. Até quando? Não sei.