Dando tempo aos contratempos

“Vamos deixar pra amanhã!”

“Tanto faz como tanto se desfez; ainda é cedo”.

Dizia Joãozinho a sua mãe naquele dia bem frio. Enrolado entre as cobertas elezinho teimava em abrir os olhos. O relógio de cabeceira da cama apontava alguns minutos antes das seis. O céu se mostrava escuro. Um friozinho de começo de inverno era o prenúncio de que mais frio iria fazer no decorrer dos dias.

Dar tempo ao tempo é uma expressão indicativa de que se demanda tempo para algumas coisas se resolverem. E que tentar apressar e controlar os resultados pode ser contraproducente. É uma atitude de confiança e paciência. Na intenção de permitir que as coisas sigam seu curso normal.

Eu, apressado que sempre fui, nunca foi de meu costume dar tempo ao tempo.  Chego sempre antes do combinado. Não sei esperar. Se a pessoa não chega apresso-me a me despedir dela. Mesmo a sua ausência não aceito desculpas pelo atraso.

Talvez não tenha sido sempre assim. Na minha infância. Que se perdeu na distância dos anos. Era menos afoito. Quando minha mãezinha me esperava para o almoço eu não me atrasava. Chegava antes da hora. Faminto que sempre fui.

Hoje, já que o tempo passou. Acostumei-me a chegar antes do tempo previsto. Sempre estou aqui, na minha oficina de trabalho a escrever, bem antes das seis da manhã. Trata-se de um costume que não pretendo mudar. Até quando os anjos disserem amém.

Já um meu ex amigo. Que se consultou comigo há tempos passados. Seu nome era Antenor. Creio que ele já tenha sido enterrado ou cremado. Pois já faz mais de trintanos que o fato aconteceu. E naqueles tempos ele já era bem rodado em anos.  Por volta de seus setenta anos ou mais.

Seu Antero aqui compareceu acompanhado por sua esposa ou manteúda. Era uma mulher formosa. De ancas generosas que me pareciam prontas a montar.

A consulta não estava agendada para aquele dia e hora. Mas como eles chegaram da roça não tive como recusar-lhes a presença.

“O que os trouxe aqui?”

Perguntei logo a seguir. Uma pergunta na intenção de saber quais seriam seus queixumes. Já que eu, Urologista, especialista em doenças do aparelho urinário e genital masculino poderia ajudar a sanar suas dúvidas.

Seu Antenor, com cara de muito poucos amigos, vociferou do outro lado. Meio contrafeito.

“Não foi uma junta de bois se quer saber. Foi uma jardineira que não estava tão triste como eu estou por estar aqui”.

Já de antemão soube que ele não estava muito satisfeito pela consulta. E foi trazido aqui contra sua vontade.

Foi sua cara metade que me contou sua história.

“Estamos ajuntados há coisa de pouco tempo. A principio meu veio não era tão rabugento. Até que ele dava no coro. Não me deixava dormir. Depois que ele interou seus setenta anos tudo mudou. Pra pior. O pinico fica cheio e entornando debaixo da cama. É uma fedentina de urina vencida que não me deixar dormir. Meu veio não era assim. Mijava grosso. Passava a noite inteira sem carecer ir à latrina. Agora não sei o que vai ser da gente. Só penso na hora de ir embora. Juntar meus panos e me escafeder de nosso ninho que em breve vai estar vazio. Dá um jeito no meu veinho. Se não vou arrumar outro novinho. Pois num sei ficar sem home.”

Pelo jeito de sua história logo achei se tratar de doença da próstata. Quando ela engorda entope o canal da urina. E faz urinar de cadinho a cadiquinho. Por vezes dói o ato de urinar. Quando sobrevém uma infecção pode por tudo a danar. E se acontecer de represar urina é um Deus nos acuda. Tem-se de enfiar uma sonda até a bexiga. Se não a mesma pode estourar.

Mas o ranzinza do Seu Antenor foi dando tempo ao tempo ao problema da urina. Adiando sine die até a coisa complicar.

Tomava remedinhos prescritos sem muito tutano pelo balconista da farmácia da pocilga da esquina.  Sem melhoras evidentes. Tomava chá de quebra pedra sem saber a precisão disso tudo. Até um remedinho feito com asas de tanajura mortinha sem estar ainda. Tudo fazia sem se consultar com um especialista.

Naquela consulta sem estar marcada tentei, debalde, ajudar ao velho Antenor. Mas a tudo que a ele indicava ele rosnava indiferente. Por vezes resmungava.

Ele queria dar tempo ao tempo antes de ser operado da próstata inchada. Mas eis que veio aquilo que eu previra. A urina do velho Antenor represou de vez numa noite escura. Como estava na roça. Longe de cuidados de um hospital. Não houve como acudi-lo em tempo.

Não deixe pra depois o que hoje manda.

O acontecido ao velho Antenor acontece a muita gente.

Se não for atendido há tempo contratempos virão. Com certeza. Evidente.

 

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