E num é que prenderam o Zé?

Quantas injustiças se cometem em nosso país.

Esquentam cadeia apenas aqueles pobres desafortunados que têm por iniciais os três P – pobre, preto e prostituta.

Aqueles branquelas, de colarinhos engomadinhos e de bolsos recheados de dinheiro. Não ficam mais de umas horas dentro das celas. Já que os tais advogados porta de cadeia logo conseguem livrá-los. À custa de alvarás de soltura. E pagam fiança mesmo na desconfiança de juízes venais. Que não se importam como a lambança que a justiça comete. Pondo em liberdade ladrões ordinários. Salafrários ordinários traficantes nunca antes presos. Que cometem atrocidades nessa sociedade que privilegia o mais ter sobre o mais ser.

Exemplifico: conquanto ladrões de galinha passem um ano inteiro sem ver a luz do dia. Já outros endinheirados.  Que cometem crimes que deveriam ser inafiançáveis.  São soltos noutro dia. Graças a habeas corpus pagos a peso douro. E saem do xilindró bem acompanhados. Em carrões último tipo. Sorrindo dessa sociedade consumista. Que não se importa se esse ou aqueloutro de fato é inocente ou até que se prove o contrário. Contrariando as boas normas de convívio. Pouco se lixando para o dito ou não dito.

Já tive a experiência. Quando passei um semestre inteiro na antiga cadeia de nossa cidade. Não como detento e sim como escrevinhador. Na intenção de escrever meu livro intitulado O Mundo das Sombras. Tendo a liberdade não vigiada de conhecer meus personagens. Verdadeiros párias sociais reclusos sem direito de de novo serem inseridos na sociedade que os baniu de vez. De comprovar o que já desconfiava. Preto, pobre e prostituto são de verdade quem fica preso por mais tempo. Eles não têm direito a um bom advogado. São excluídos da sociedade sem direitos e apenas deveres. Mas não deveria ser assim. Nem assado.

Quem comete um pequeno delito vai preso. Quem é estuprador recai sobre ele as benesses da lei.

Zé era um pequeno sitiante que morava pertinho da minha roça.

Ele vivia da renda de uma dezena de vacas.

Gente boa cujo único defeito era ser bom demais.

Ele havia enviuvado há um mês apenas. A mulher que ele amava partiu sem pedir licença.  E como ele sofreu naqueles dias quando sua amada fechou os olhos para sempre.

Antes viviam às mil maravilhas. Nunca os vi rusgando. Eram um pelo outro. Unha e carne diziam nas vizinhanças.

Dona Maria. Era esse o prenome de sua dona. Amava plantas. Todas elas – dizia com um sorrisão a enfeitar-lhe os lábios abantonzados em vermelho vivo que sempre usava.

Sua pequena rocinha era coberta de flores como também de amores.

Aconteceu, naquele dia frio de junho. Que a amada Maria amanheceu resfriada. Uma tosse febril acabou levando-a ao leito de onde não mais saiu.

Ela terminou seus dias aqui na terra ao final de junho. Suas cinzas foram enterradas no pé de uma árvore de fícus gigante que ela mesma tinha plantado.

E como ela amava aquele fícus. Ao lado dele outras três faziam sombra a quem delas precisasse.

Não há praga maior numa propriedade rurícola que as tais capivaras. Pra mim são ratazanas grandonas sem nenhuma utilidade.

Se por ventura de uma desventura alguém quiser dizer impropérios sobre você não o chame de “vaca”. Pra mim o maior xingamento atirado em nossas costas vai ser chamar-nos de “capivara”. Ai sim, vou-me sentir injuriado.

As tais capivaras andam em bando. São animais noturnos que pastam mais que uma centena de ruminantes.  E fazem estragos nas lavouras deixando as roças de milho no talo.  Sem chance de serem colhidas a tempo de serem dadas às vacas.

Depois da morte da amada Maria Zé passou a cuidar mais ainda das arvorezinhas de fícus.

Regava-as todas as manhãs. Redobrava seus cuidados ao cair das tardes.

Um belo dia. Que se transformou no dia mais triste de sua vida.

Zé, antes das cinco da madrugada. Ao passar pelas árvores ainda novinhas que um dia iriam crescer rumo ao céu. Deparou-se com uma cena desanimadora.

Quase nada mais restava das arvorezinhas de fícus que sua amada Maria tanto amava.

As tais ratazanas gigantes as tinha devorado. Quase nada mais restava delas a não ser lembranças de sua Maria.

Naquele dia Zé prometeu vingança. Comprou uma cartucheira de grosso calibre e passou a noite de tocaia.

Ao alvorecer daquele dia frio de junho um bando de capivaras saiu da água da represa àcata de comida.

Antes que a capivara mãe se atrevesse a passar pela casinha improvisada onde se escondia Zé uma salva de tiros ecoou pelos ares. Um tiro certeiro atingiu uma gorda capivara. Matando-a em seguida.

Mas nem tudo foi motivo de celebração para o infeliz Zé da dona Maria.

Ele foi denunciado por ter cometido um crime ambiental. Foi preso e mais um injustiçado por ter cometido tal delito.

Até hoje paga cadeia. Sem direito a fiança.

Até hoje não entendo o porquê de tanta porcaria. Nesse país onde corruptos pululam a solta. Gente boa como o Zé fica preso por ter matado uma porcaria de capivara que não tem serventia nenhuma.  A não ser comer arvorezinhas inocentes como aquelas.

 

 

 

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