A “Num Pode”

Nem sempre querer quer dizer poder.

Por mais que desejássemos algo, mais forte, contraria o nosso desejo.

E ao revés de seguirmos adiante retrocedemos.

Assim caminha a desumanidade. Entre sucessos e fracassos. Entre desejar a não conseguirmos o nosso intento. Entre idas de vindas. Entre partidas e retornos. Nessa marafunda em que se transformou o mundo. Desde quando ele se tornou imundo. Graças às podriqueiras que os ditos humanos esparramaram em sua superfície dantes clara e cristalina.

Por vezes dizemos não pode quando deveríamos dizer “podemos sim”. Mas alguma coisa nos tolhe a vontade impedida por uma atitude que contradiz nosso desejo. E a gente acaba refreando nosso ímpeto. Sendo tolhidos por uma crença que vem do alto. Algo mais forte nos impede de fazermos o que gostaríamos em verdade. Como exemplo cito o caso que ora conto de uma mocinha um tanto pudica. Que um dia se apaixonou por um homem que a ela prometeu um baú repleto de felicidade. Mas em contrapartida acabou transformando a vida dela num rosário de queixumes.

Ela sempre foi crédula na humanidade.

Até os dezoito anos nunca se deu ao desfrute de se aproximar de nenhuma pessoa de outro sexo. Era da casa para a igreja. Tinha mais horas de missa que de saídas noturnas. Vivia mais de joelhos que propriamente andando movida pelas pernas andejas. Era um amor de pessoa. Amada pelas amigas e admirada por todos que a conheciam.

Era feliz ao seu modo. Vivia pela profissão que elegera desde quando se apaixonou por cuidar de enfermos.

Elazinha, morena da cor do pecado. Até os dezoito anos pensava se dedicar apenas e tão somente a profissão de enfermeira. Mas eis que numa noite estrelada. Acompanhada por amigas e aparentadas. Numa mesa de bar acabou reparando num rapaz da mesa do lado.

Foi atração a primeira vista d’olhos.

A principio, timidazinha que sempre foi. Pensou que o rapagão não olhou pra ela. Mas foi em sua direção que aqueles olhos negros se direcionaram.

Desde então passaram a se encontrar às escondidas da família. “Ele não era boa”, coisa diziam.

Mas quem diz que o coração enxerga bem? Ele tem um tapa olhos quando o amor acontece.

E assim foi com aquela garota morena de encher os olhos de tanta bondade.

À principio apenas foi um flerte inconsequente. Que se transformou numa paixão que a levou a loucura. Ela acabou se mudando para uma casa pelos dois construída a duras penas. Ela, trabalhadora. Ele um bonachão vaidoso.

Não pensem mal daquela ainda criança. Não aconteceu sexo como sói acontecer no primeiro contato.

Tudo não passava de uma relação ainda em seu começo. Mas seria um tanto tarde que teria fim.

Elazinha, a qual chamava de Num Pode. Evitava ser feita mulher. Pudica ao extremo. Guardava-se para a noite quando seria feita mulher na lua de mel. Apenas e tão somente nela se deixaria desvirginar.

A cada investida do rapaz ela dizia ruborizada: “num pode. Só depois de nos casarmos”.

E assim passaram-se os anos. E nada de aquela linda morena, encabulada, se deixar amar de verdade. Ela se recolhia a um canto a cada tentativa de ser acarinhada. Evitava fazer amor não por falta de desejo. E sim pela sua crença inabalável em um ser superior que a ela dizia com todo fervor: “se guarde. Não perca a virgindade. Não permita que homem nenhum devasse sua intimidade. Mulher só tem valor se se mantiver intacta”.

E ela cumpria a risca os mandamentos de seu livro santo. O qual lia sempre antes de dormir.

Não precisa dizer que aquela relação teve fim antes quase de seu começo.

Nos dias de hoje. Passados não sei quantos anos. Aquela mulher morena. Ainda linda e mais ainda pudica. Com seu selo de castidade intacto. É conhecida por todos como a Num Pode.

E nunca mais conseguiu fazer o que sua vontade dita.

 

 

 

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