Era ainda bem cedo.
Por volta das quatro da madrugada.
Seu Pedro acordou de bom humor. Afinal seria seu último dia de trabalho.
Ele contava com inexatos sessenta e cinco anos. Inexatos digo eu, pois no próximo dia quinze do mês corrente ele ira completar cinco mais sessenta.
Não teria festa. Também, com a grana curta, depois de tantos anos de trabalho duro, a soma que guardava na cristaleira da sala de jantar mal dava de cobrir as despesas. Já que filhos cangurus dependiam dele. Os três rebentos viviam às expensas do pai. Eram de uma geração Nem Nem. Que nem estudavam nem trabalhavam. Nem nem que nem eram mais nenéns.
A rotina de Seu Pedro era sempre aquela.
Acordava antes que o sol desse as caras. Quando chovia antes mesmo que os pingos da chuva gotejassem do lado de fora da janela. Seu Pedro enviuvou recentemente. A partir de então nunca mais teve uma dama em seu tabuleiro de xadrez.
Vivia num apartamento alugado na periferia daquela cidade grande.
Nunca deixou o aluguel atrasar. Era pontual em suas obrigações. Um sujeito decente considerado exemplo de retidão e dignidade.
Até aquela idade nunca faltou ao trabalho.
Chegava à fábrica sempre meia hora antes dos demais empregados. O patrão tinha por ele como funcionário exemplar.
Naquele começo de semana. Era uma segunda feira do mês de maio. Seu Pedro celebrava seu derradeiro dia de serviço. Uma festinha surpresa foi preparada com muito carinho pelos seus colegas. Todos eles admiradores da competência daquele senhor circunspecto e de poucos amigos.
Aquele dia seria especial na vida modesta de Seu Pedro. Era da fábrica para casa. Ele nunca parou pelo caminho.
Quando a esposa era viva ele sempre levava uma lembrancinha pra ela. Ora uma flor sem espinhos. Uma rosa em botão. Ou uma jóia que era pura bijuteria. E como ele amava sua dona. Cujo nome era Margarida. Nunca teve olhos pra outra mulher. Era Margarida a única flor que enfeitava seu jardim.
Naquele dia de festa. Que iria celebrar seu aniversário. Coincidentemente era dia da aposentadoria. Seu Pedro exagerou nas celebrações. Tomou um porre e se embebedou. Voltou ao apartamento sem saber onde estava. Foi levado ao pronto atendimento e lá ficou até a manhã seguinte. Desconhecendo o acontecido. Mas tudo valia a pena naquela data festiva. Afinal era o dia de sua tão sonhada aposentadoria.
O dia seguinte tudo corria às mil maravilhas.
Seu Pedro nem viu as horas quando acordou. Permaneceu na cama até tantas horas.
Deixou o apartamento mal se lembrando dos dias passados. Quando tinha de acordar cedo para ir ao trabalho.
Foi caminhando sem destino certo. Parou numa pracinha nas vizinhanças de onde morava.
Conferiu suas nádegas ao assento num banco duro de cimento. Ali ficou a observar os passarinhos empoleirados num galho fino de uma árvore de rica copa. Um dele lhe pareceu cantar um trinado triste. O tal passarinho parecia cantar em sua homenagem. Uma canção que falava justamente em aposentadoria.
Seu Pedro ali ficou até o chegar da noite. Fazia frio.
Feliz da vida por ter se aposentado Seu Pedro esqueceu-se do tempo. Nem de olhar o relógio se lembrou. Era feliz como nunca se sentiu antes.
Mas quis o destino ingrato que aquele dia quando Seu Pedro pensou ter conquistado a tão sonhada aposentadoria um infausto acontecimento sucedeu na sua vidinha modesta.
Recostado aquele banco da praça. Recolhido em suas lembranças. Seu Pedro lembrou-se de sua amada Margarida. E foi de encontro a ela nos céus.
Aquele foi dia mais feliz de sua vida. Um dia depois de sua tão almejada aposentadoria.