Amaro despertar

A cada manhã que nasce pra mim é motivo de celebrações.

Celebro um novo amanhecer.  Mais um dia que vi nascer.

Dentre muitos que aconteceram. Conto nos dedos uma infinidade.

Um número incontável. Nesses meus setenta e quatro anos. Que em breve somarão um ano mais.

Desperto a mesma hora costumeira. Não olho no relógio, pois tenho um despertador imbricado dentro de mim. Que me faz acordar sempre lá pelas cinco. Um cadinho antes acredito.

Lavo o rosto sonolento em água fria.  Hoje tomei um banho morno.

Assentado ao vaso sanitário lucubro sobre o tema a ser escrito nessa quase madrugada.

Hoje, nessa segunda que quase fatia ao meio esse mês de maio. Pensei cá comigo mesmo.

Como devem estar sofrendo nossos irmãos gaúchos.

Com água pelos cotovelos eles mal conseguem sair de casa. Muitos resistem a serem resgatados.

Famílias inteiras perderam quase tudo. Menos a valentia, o estoicismo e a dignidade.

Se alguém merece o titulo de heróis não serão os jogadores de futebol e sim aqueles voluntários que se desdobram noites adentro olhando pro céu e observando as nuvens se elas vão clarear ou permanecer cinzentas.

Dias se foram e a calamidade continua. A enchente faz os rios transbordarem gulosos.

Pessoas se amontoam em abrigos improvisados. A solidariedade faz menos dolorosa a vida dos nossos irmãos do sul.

Naquela manhã cinzenta a chuva não dava tréguas. Mais água a despencar do alto.

A família do Zezinho, criador de suínos, acordou em sobressalto.

Pensando estarem acostumados a enchentes se preparavam todos a levar os capados gordos ao frigorífico. Mas a chuva inundava quase tudo ao derredor. O rio cheio deixou seu leito. E acabou transbordando.

Zezinho foi o primeiro a deixar a cama. Chamou o pai num quarto contiguo.

Ele dormia abraçado a sua mãe. Eram apenas três naquela família de gente valorosa e guerreira.

No ano passado sofreram o mesmo percalço.

Outra enchente, de menor proporção, fê-los perder tudo que conquistaram. Só sobrando o telhado da pocilga enorme que construíram a duras penas. Porcos mortos foram enterrados em valas comuns. Uma fedentina tamanha se podia sentir no dia seguinte.

Naquela sexta feira, exatamente um ano depois, nova tragédia se abateu sobre o Rio Grande. Enchentes devastavam quase tudo. Lama, águas barrentas tornavam intransitáveis as estradas da região.

O pai do garoto Zezinho foi tirado da cama prevendo a calamidade.

Acompanhado da esposa e do seu filho foram acudir os porcos esquecendo-se da própria sorte.

Com a água subindo veloz o rio transbordou de vez.

Todos foram levados pela enchente. E até no presente momento não encontraram seus corpos.

Até hoje o estado rio grandense contabiliza seus mortos.

Na manhã dessa segunda acordei no meu despertar a mesma hora de sempre.

Pra mim sempre se trata de um alegre despertar. Mas pensando naquelas vitimas das enchentes meu pensamento se volta pensando ser um amaro despertar.

 

Deixe uma resposta