E não é mentira não.
Naquele dia primeiro de abril Antenor pulou cedinho da cama.
Desempregado. Com muitas bocas a cuidar. Descasado. A mulher escafedeu-se com outro no verão passado. Deixando o pobre com três filhotes que nem se sabe se eram dele. Criancinhas famintas e choronas. Uma delas ainda em uso de fraldas. As outras já aprendendo a engatinhar. Antenor tinha de se virar nos mais de trinta para dar conta daquelas pessoinhas inocentes. Que não pediram pra nascer. Mas aqui estão sem saber qual seria seus destinos no porvir dos anos.
Naquela manhã de abril. Dia primeiro. Dia da mentira, mas para ele era a mais pura expressão da verdade verdadeira.
Ele saiu cedo da casa onde morava de aluguel. Que já estava atrasado a mais de um ano inteiro; à procura de emprego.
No presente momento fazia de conta que vivia graças às benesses do governo. Mas a quantia irrisória que percebia mal dava conta de suprir nem undécimo do que a sua família necessitava. Antenor fazia bicos. Quando o mato crescia carpia lotes. Catava latinhas nas ruas e as revendia a má valia pela metade do preço pago pelas reciclagens.
Seu sonho desde criança era trabalhar numa metalúrgica. Era dono de braços fortes e uma coragem de fazer inveja aos heróis verdadeiros.
Naquela ainda madrugada Anterior deixou as crianças dormindo. Despediu-se de todas com um beijo carinhoso naquelas carinhas de anjo.
E foi em busca de emprego batendo em todas as portas que encontrava.
Numa delas deparou-se com uma inscrição que dizia: “volte no ano que vem. Estamos fechando pra balanço”.
E assim foi de porta em porta. Na undécima pensou haver encontrado enfim uma colocação.
Mas foi tudo ilusão. Foi preterido por um candidato mais novo. Embora ainda não tivesse passado dos quarenta.
Antenor continuou seu périplo em busca de emprego. Voltou a sua morada ao fim do dia. Cansado. Esmorecido e desiludido. Mas, ao ver aquelas carinhas lindas a sua espera prometeu persistir na procura.
Abril mal começava. O ano estava apenas em seu começo.
Na manhã seguinte a mesma procura. Trouxe pra casa apenas promessas vãs.
Os filhos choravam de fome. Na tentativa de dar-lhes de comer passou a esmolar na rua.
Mais um dia sem emprego. Abril finalizou com seu acendo triste.
Não restam dúvidas que seja preciso coragem para sobreviver a tudo isso. Uma força de vontade hercúlea enche a mesa dos pais de família desempregados em nosso país continental.
É preciso força e resignação para viver em continua penúria. Torna-se necessário resistir a tormentas e tempestades para viver em nossa nação. Onde a maioria nada tem conquanto abastados detenham quase a totalidade da riqueza brasileira.
É preciso coragem e força de vontade para suprir a mesa nossa de cada dia. Onde os preços nos supermercados sobem como foguetes à estratosfera e nossos salários descem ao rés do chão.
É preciso denodo e obstinação para dar conforto e o mínimo de decência às nossas famílias. Conquanto o que se vê pelas ruas são pedintes estendendo as mãos. A mendigar sobras dos restos dos restaurantes onde as contas sobem pondo em risco os cartões de crédito. Que assustam quando em vias de serem pagos.
Coragem. Uma palavrinha sempre em voga de ser pronunciada em tempos de tragédia. Que nada mais é do que bravura ou intrepidez.
Mas pra mim ela nada mais é do que a história de tantos Antenores da vida.
Se é que isso pode se chamar de vida. Nesse mundo mundo, por vezes tão imundo. Onde a sujeira é varrida pra debaixo do tapete. Mas a fedentina ofende as nossas narinas.
É preciso coragem para ver tudo isso sem protestar alto e bom tom.