Nestes dias de feriado da semana santa estive a repensar a vida que tenho levado.
Afinal são mais de setenta anos. Quatro a mais se foram.
Nesse ano em curso completo cinquenta anos de graduado.
Aqui, nessa cidade que adotei como berço, em um mil novecentos e setenta e sete apeei.
Fazendo as contas se passaram quarenta e sete longos anos de exercício incansável da medicina.
Foram incontáveis noites mal dormidas. Cirurgias sem hora marcada para terminar. E que eu me lembre um sem número de pacientes atendidos. Nesses três consultórios que ocupei. A partir de maio daquele ano longínquo. Citado dantes- 1977-mês de maio.
Hoje a urologia ainda me consome. E me apraz atender diuturnamente aqueles que me procuram. Aposentei-me por completo apenas no serviço público. Mas ainda sinto saudades daquelas pessoinhas singelas as quais atendia tanto no posto da Chacrinha quanto naquela unidade de saúde mais ao norte de nossa cidade.
A rotina se torna cada vez mais enfadonha. Acordar sempre a mesma hora. Aqui chegar antes das seis da manhã. Escrever uma crônica a cada dia. Dar vazão a inspiração que me consome. E passar a atender após as oito.
Às dez e meia volto ao apartamento. Aqui pertinho. Já as treze retorno a minha oficina de trabalho. Para antes das quatro voltar minha atenção ao bem maior que considero. A minha saúde e a de todos que me procuram ainda.
De tempos pra cá as consultas minguaram. Não sei se devido à crise ou ao monte de colegas da mesma especialidade.
Uma indefinição tenho por mim desde tempos que se vão cada vez mais apressados.
Vale à pena continuar na lida? A aposentadoria total me acena com sua bandeira branca.
As despesas para se manter um consultório tem sido cada vez mais dispendiosas. Fora o salário da gentil Zaninha. Mais do que merecedora do que percebe. Acresce-se a essa soma os encargos sociais que não são nada convidativos. O condomínio desse prédio que sobe e desce como o tal elevador que um dia me fez descer pelas escadas. Fora as taxas da prefeitura que são anuais graças ao bom Deus. Tudo isso somados um a um me fez pensar em por um basta na minha profissão que amo tanto.
Mas a indefinição ainda me consome. Ainda sou capaz de fazer tudo que fazia dantes. E como ficar o tempo que me resta sem fazer nada? Não sei quantos anos mais viverei. Quantos dias, anos, meses.
Se porventura de uma desventura vier me aposentar por completo o que vai ser de mim?
Assentar-me a um banco da praça não me convém. Dedicar-me inteiramente a literatura não sei quantos livros ainda serão editados. Quantos textos serão escritos nem sei a conta.
Nessa encruzilhada me situo. Não sei se vou ou volto de onde vim.
Mas confesso.
Se parar por completo sentirei falta dos meus peixinhos aquarianos. Agora só restam três.
Vou sentir falta do bom humor contínuo da querida Zaninha. Sempre solícita com meus pacientes. Dos apertos de mãos ao final das consultas. Do muito obrigado doutor que recebo dos meus pacientes.
Sentirei falta das noites insones de quando operava nos três hospitais. Ate mesmo daquele telefone preto que me acordava no melhor do sono.
Vou sentir falta, caso pare de vez, do atendimento fugaz que fazia naquelas unidades de saúde onde me esperavam e eu chegava pontualmente à hora marcada. Dos presentes que recebia. Eram regalos singelos, mas dados de bom coração. Dos encômios e até mesmo dos reclames que partiam dos insatisfeitos.
Sentirei saudades das manhãs cinzentas que me acordavam em plena madrugada. Até mesmo das caminhadas longas até chegar ao posto da Chacrinha. Já que até o AME tomava a lotação Jardim Glória.
Se parar algum dia vou sentir falta dos plantões naqueles tempos idos da residência médica. Eram noites insones de muito aprendizado.
Se resolver parar por completo sentirei saudade do trabalho. Como aposentado não me sentirei vivo e sim meio homem. Ou homem ao meio.
Uma vez jubilado não me sentirei como me sinto agora. E sim alguém que não completou sua passagem aqui nesse mundo tão lindo.
Espero continuar do jeito que estou. Em meio expediente. Um homem completo. Não um homem ao meio.