Aquela gaiolinha que sobe e desce. De vez em quando empaca como uma mula desacostumada a ser montada. Mete medo a muita gente.
O mesmo não acontecia comigo. Até a tarde de ontem. Quando fiquei preso ali dentro um par de minutos apenas.
Elevadores dizem ser tão seguros como andar de avião. A queda pode não ser da mesma altura. Mas o que acontece na aterrissagem a gente não sabe. Já que o fosso do tal elevador, escuro como uma noite sem lua, pode ser como uma cisterna sem água. Desprovido de profundidade como do céu à terra. Mas, sempre que desço ou subo pelo elevador me persigno. Faço o sinal da cruz e alerto as pessoas que comigo se espremem, que, se por acaso aquela caixinha apertada despenque. Antes de chegar ao térreo pulem pra cima. Assim a queda vai ser atenuada em alguns instantes apenas. E se vamos quebrar algum osso que seja um ossinho sem serventia.
Elevadores de vez em quando fazem greve. A profissão que não me atrai é a de ascensorista. Ficar o dia inteiro como porteiro de boate. Naquele sobe e desce dontinuo. Sem ao menos poder dirigir gracejos às damas da noite. Deve ser uma coisa mais chata que carro amassado por uma carreta desgovernada.
Estamos em plena quaresma. Tempos de penitência e oração. Muitos não comem carne e jejuam a semana inteira. Mas ofendem a dignidade do próximo. Sem metem na vida dos outros. E comentem outras iniqüidades como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Chico Quaresma é uma pessoinha quase sem defeitos. Homem de larga envergadura tanto moral como dono de um coração maior que a lua cheia.
O trabalho nunca lhe meteu medo.
Naquela terça feira santa precisou ir à cidade. Chovia a encher ribeiros.
Depois de tirar leite e alimentar a vacada tomou um banho no capricho.
Acontece, naquela idade em que deixou de lado a vaidade, Chico passou a urinar várias vezes durante a noite. A urina saía em pingos fraquinhos como um galinho metido a bom de briga. Mas na hora H finge de morto para escapar das bicadas do garnisé de crista empinada.
Chico Quaresma marcou consulta comigo naquela tarde chuvosa. Ainda me lembro de quando minha secretária atendeu ao telefone. Uma vozinha fanha e ao mesmo tempo estridente dizia: “é do consultório do doutor que cuida da urina? Ele tem qual idade? Prefiro um doutor experiente e de mais idade que a minha. Qual o endereço? E o preço da consulta”?
Agendado o atendimento ele ainda questionou: “o tal prédio tem elevador? Morro de medo disso”.
Minha solícita secretária a ele tranquilizou: “pode vir. É o transporte mais seguro que se tem noticia. O de aqui nunca falhou. Não me lembro de nenhuma pessoa que ficou presa num deles”.
A consulta estava agendada para as dez e meia. As onze nada de o Chico aparecer.
Já passada de quase meio dia cadê o paciente? Eu já estava impaciente a espera.
Do lado de fora da minha sala um amontoado de pessoas se aglomerava na ante sala.
À porta do elevador o porteiro do Edificio tentava desempacar aquela gaguinha empacadeira. Sem sucesso.
Do lado de dentro aquela vozinha estridente gritava por socorro. Era o velho Chico Quaresma vociferando ali dentro.
Ao final de infindáveis duas horas Chico foi solto. Mais branco que lençol estendido no varal num dia de sol. Em sincope ele foi retirado daquele compartimento nanico e sem janelas. Com a calça ensopada de um líquido que não era suor e cheirava a urina vencida.
Ao vê-lo naquele estado condoí-me de sua sorte madrasta. Nem cobrei a consulta, que ficou pra outro dia. Sine die.
Até hoje, quando vejo o velho Chico excomungando o tal elevador, compadeço-me de sua dor.
E, quando subo o desço pelo mesmo ascensor faço o sinal da cruz. Benzo-me e faço uma breve oração. Hoje mesmo ele subiu e desceu sem reclamar de nada. Tomara assim seja ate o final da semana santa. Que felizmente nos assinala com dois feriados.
