Sempre fui um crédulo desde pequenino.
Cria nos bons sentimentos. No nascer do sol e no despertar da lua. No acarinhar do pai tentando consolar o filho em horas adversas. E cria ainda que o bem vence o mal nesse mundão tão dispare. Que as desigualdades sociais serão atenuadas no decorrer do tempo.
Depositava a maior fé que Deus era o mesmo em todas as crenças. E Ele se vestia em trajes andrajosos segundo professava o livro santo.
Cria ainda que ao crescermos todos iríamos ter as mesmas oportunidades de nos darmos bem na vida. E que a felicidade fosse uma prerrogativa de todo mundo. E para que ela fosse conquistada mister se faz viver uma vida singela e sem complicações maiores.
Mas com o tempo passando. Anos se amontoando. A juventude ficando pra trás. Percebi. Com esses olhos enxergadores. Que nem sempre é assim.
A descrença passou a fazer parte de mim. Não perdi a fé nem deixei de sonhar.
Mas os sonhos foram escasseando. As ilusões se desfazendo. As nuvens tapando a boca do sol. Foi então que passei a desacreditar em muita coisa que dantes cria.
Agora que, de jovem sonhador, passei a ser um ancião que quase não sonha mais. Muitos desses sonhos se desvaneceram.
Ainda creio nas boas intenções. Se bem que elas cada vez mais deixaram de existir. Em seu lugar um vazio imenso inunda-me o coração. Que só não parou de pulsar por não ter chegado a hora.
Passei a descrer na bondade humana. A mercê de tantas guerras que acontecem por aí.
Não dá mais para acreditar que o bem sempre derrota o mal. Pois muitos crimes permanecem insolúveis.
Não mais me permito crer nas coisas que dizem por ai. Já que as redes sociais quase sempre distorcem a realidade. E espalham inverdades aos quatro ventos.
Não dá pra acreditar em tudo que a mídia mostra. Pois fatos inverídicos são retratados como tendo acontecido.
Não creio mais naquilo que foi dito pelos políticos. Falastrões que muitos são.
Não mais creio nas verdades que se transformaram em mentiras. Antes o de mais valia agora já não vale mais.
Não mais acredito nas coisas que se transformaram em loisas. Agora passei a acreditar apenas no que acredito.
Antes acreditava em muitas pessoas. Mas elas mesmas me fizeram perder a confiança. Graças às mentiras que passaram adiante.
Não mais acredito em amigos que se disseram amigos de verdade. Ex amigos agora figuram numa lista pregada à parede do esquecimento.
Não dá mais para acreditar em falsos profetas. Que dantes professavam a bondade que se transformou em meras falácias vãs.
Agora não mais creio em tudo que cria antes. Talvez a razão seja por ter crescido. Em menino julgava todos iguais. Mas o tempo me provou não ser bem assim.
Infelizmente os tempos são outros. O que dantes tinha valor agora esse mesmo valor se desvalorizou.
Agora a descrença quase me tomou por inteiro. Metade de mim ainda acredita. A outra resiste estoicamente a continuar a crer.
Hodiernamente os tempos mudaram. Eu também mudei.
De menino crédulo passei a ser um velho descrente. Quem saberia dizer por culpa de quem?
Somos frutos do meio. Meros espectadores partícipes do mundo em que vivemos.
Se não mais acredito em tudo que cria. Quem sabe noutra vida as descrenças desapareçam naquele lugar pra onde iremos.