O Seu Vai Indo

Se me perguntarem pra onde? Não sei.

Já pra ele, cujo nome de verdade ignoro. Sempre que o perguntam como vai. Ele responde. Com um largo sorriso a estampar-lhe a boca desdentada: “vou indo”.

Deveras. De vez em quando a gente caminha sem rumo. Sem destino. Pena que sempre temos de levar lenço. No caso de um espirro que sai sem aviso. E documentos são necessários. Nesta vida corrida que a gente leva. Sem parança. Sem medir os passos. Ignorando a distância a ser percorrida até o final de nossa vida. Sejam quantos anos forem.

Já esse adorável senhor. Cuja idade por certo já ultrapassou muitos anos. E creio se encontra quase no centenário de sua existência profícua. De muitos feitos e glórias passadas. E nunca se vangloriou de suas conquistas. Pra ele tanto faz como se desfez. Pra ele não importam os anos. E sim a alegria de tê-los vivido.

Temos de muito uma amizade sincera.

Sempre que passo à porta de sua morada o encontro ali mesmo. Meio recurvo ao peso de sua idade provecta.

Ainda me lembro daquela tarde. Chovia como nessa manhã mais um dia de fevereiro.  Céu emburrado mal se via o clarume do sol. Choveu durante a noite. A chuva deve persistir ao mais tardar de mais um dia.

Encontrei meu amigo assentado à soleira de sua porta. Olhando pro nada. Nos seus olhos claros percebi uma expressão de desalento. Algo o incomodava. Não era de seu costume se queixar de nada.

Meu amigo velho, por mim alcunhado de Seu Vai Indo. Embora não lhe soubesse o destino. Naquela tarde cinzenta demonstrou não estar disposto a uma boa prosa.

A minha pergunta lançada naquele instante de nosso encontro ficou sem resposta.

Foi essa: “como vai o senhor”?

A espera que ele me respondesse, o que ele não o fez. Aguardei mais um momento.

Dei um tempo. Esperando sem muita pressa inquiri de novo. No entanto a resposta que ele me deu foi um longo silêncio.

Dei um passo atrás. Retrocedi alguns metros.

Voltei a perguntar: “como vai o senhor? Está tudo bem”?

A resposta foi a mesma da vez anterior. Um lacônico piscar de olhos.

Preocupado com quietude do meu amigo manifestei o desejo de compartilhar a sua mudez.

Permanecemos calados por mais de uma hora.

Ele continuava olhando em direção ao nada. De seus olhos baços percebi uma tristeza profunda.

Uma ou duas horas se foram. E eu parti. Deixei meu amigo do mesmo jeito que o vi. Olhando pro nada. Com aquele olhar inexpressivo perscrutando o vazio.

Aquele foi nosso último encontro. A derradeira vez que nossos olhos se encontraram. Ele olhando pro nada. Já eu sem nada entender.

Um mês depois. Preocupado pra onde teria ido meu velho amigo. Ao passar a sua porta ele não estava.

Bati à porta. Ela estava fechada. Ninguém atendeu a minha chamada. Pensei que ele estava em viagem. Não era de seu costume se ausentar por muito tempo.

Foi quando soube. Pela boca de terceiros. Que meu amigo Seu Vai Indo. De fato havia partido pra longe.

Ainda hoje o posso ver. Bem ali. Nesse céu cinzento. Nesse tempo chuviscoso. Em meio a nuvens cinzentas.

Bem me lembro daquela tarde de nosso derradeiro encontro. Quando dele não conseguir tirar uma única palavra em resposta as minhas indagações.

O Seu Vai Indo havia ido, pra sempre, em direção a sua última morada nos céus.

 

 

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