A gente acaba perdendo a importância, com o tempo

Vi a vó por uma fresta da janela nesse final de semana.

Mal sabendo se seria Covid ou Dengue aqui estou eu. A mesma hora de sempre.

Com o manquitolar dos anos a gente se acostuma a quase tudo. Como médico experiente passei a não valorizar tanto as doenças. As minhas principalmente. Daqueles que me procuram tudo faço para elucidar o diagnóstico.

Se bem que seja módico em pedir exames. Mas não sonego o exame físico. Soberbamente em minha especialidade, a Urologia, quando a patologia se mostra à palpação ou a um simples passar de olhos na região afetada. Exemplifico.

Quando se trata de uma fimose é só olhar o órgão em questão. A pelinha que recobre a glande pode tanto impossibilitar sua exteriorização ou simplesmente contribuir para ali se instalar doenças de natureza sexual. Já que muitas delas são ligadas a falta de higiene. Já a hidrocele pode ser vista por um aumento da bolsa escrotal. Pois ali se acumula um excesso de liquido que pode ser confundida com uma hérnia inguino escrotal.

Deixando de lado a medicina. Pois o objetivo desse texto de agora cedo, nessa matina pós carnaval, não seria outra senão fazer conjecturas sobre se temos ou não importância depois de tantos anos tentando sobreviver nessa nossa vida errática. Pra muitos feliz. Pra outros desprovida de alegria. A importância que nos é dada depende do enfoque a ser posto em pratos sujos.

Tenho um vizinho de pasto. De nome Seu Zequinha. Cujo sobre desconheço. Nos seus muitos anos de experiência. Se o chamam de velho ele relincha malcriado.

Ele um dia me contou um causo que reconto agora.

Ele tinha uma novilha fêmea (redundância condenável para os entendedores de nossa mal amada e mal falada língua). Que com o tempo se transformou numa mal amada vaca. Quando novinha ela dava, na primeira ordenha, quase trinta litros de leite frio. No entanto dos entretantos. Assim que a Braúna envelheceu, à costelas vistas, o leite minguou. E elazinha foi posta à venda num açougue não lhe davam nem undécimo da metade do que ela valia quando nova. Esse caso bem exemplifica a desvalorização a que estamos sujeitos ao passar dos anos. Quando jovens valemos um tanto. Uma vez idosos o nosso valor decresce mais de dez decimais. Se tanto ou mais.

Não restam dúvidas.

Quem quer trocar um garotão parrudo. Desbarrigado. Abdome talhado em horas e horas em academia. Pernas musculosas e esguias. Por um velho surdo. Ranzinza. Sovina e ainda por cima pobre?

Vou lhe propor mais uma catira.

Quem deseja tomar manta num escambo entre uma garota novinha. Por uma balzaquiana leviana. Que já deu o que tinha de doar, em vida. E não tem mais onde morar? Vivendo à custa de uma mixuruca pensão não vitalícia. Que deve finar no final do ano? Por certo a pessoa que fizer essa troca injusta vai ficar em desvantagem.

Ser velho não é padecer no paraíso. E sim morrer solitário numa casa de idosos qualquer.

Perdemos a importância sim. Se é que a tivemos. Um dia saberemos.

Quando jovens o patrão nos eleva ao cargo de gerente de sua fábrica. Uma vez ficando velho somos sumariamente despedidos. E quem vai empregar alguém que já passou dos enta? Só se for um negócio falido.

Se tivemos alguma notoriedade um dia. Por certo a perdemos o mais tardar assim que a velhice chegar. Se um dia nos valorizaram. Mais cedo ou mais tardar o nosso valor vai desabar aquém do meio fio. Se pensa que fomos considerados e condecorados por algum feito heróico no passado. Um dia nada mais restará senão um retrato dependurado na parede descolorido esmaecido pelo tempo.

Engana-se quem pensa que dão valor aos velhos. Sapato velho ninguém usa. Nem meia sola dá mais.

A nossa importância se desfaz na bruma do tempo. Nem memórias ensejamos mais.

Alguns velhos são depositados, como trastes em desuso, a esperar a morte, num asilo qualquer. E quando pensam que os filhos ausentes vão visitá-los o motivo não é a saudade. E sim uma quantia guardada a sete chaves. Que os filhos ingratos descobriram e só os pais asilados podem doá-los em vida. Já que depois da morte essa importância vai ser destinada a uma instituição de caridade meritória.

A nossa importância apenas a nós importa. Nossos feitos meritórios são unicamente pertencentes a nós próprios.

Eu não vou dar tempo ao tempo. O que eu fiz. Ou farei. Daqui pra frente. Só compete a mim. Só eu sei.

De fato. A gente acaba perdendo a importância, um dia. Se é que a tivemos, em verdade.

 

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