Bendita ingenuidade das crianças.
Quem já teve infância bem sabe disso.
Antes tudo eram cores.
Já mais tarde os dissabores passaram a fazer parte de nossa vida.
Pena que a gente cresce. Os problemas aparecem no decorrer de nossas vidas.
Dantes a gente mal tinha tempo de brincar na escola na hora do recreio. E quando o bedel nos pilhava em fragrante tentando cabular aula era um Deus nos acuda. Éramos levados a presente da diretora e ela chamava nossa mãe pelo telefone e ela nos repreendia veementemente.
A nossa infância era pura inocência. Em parte.
Já eu, mais crescidinho, nem tanto, pois sempre fui miudinho. Do tamainho exato para passar por debaixo das pernas morenas daquela não mais menina. Por quem tinha uma quedinha. Mas ela não me queria e sim um garoto que como eu não amava os Beatles. E sim os Rolingstons. Quando cabulava aula dizia que estava doente. Uma doencinha que só existia na minha cabecinha oca. Que vivia a sonhar com as andorinhas. Avezinhas marotas as quais invejava, pois elas podiam voar para outros verões. A minha infância foi rica em folguedos. Brincadeiras recheadas de amigos. Muitos deles agora brincam de roda nos céus.
Por falar em céu ele amanheceu tinto em cinza nesse final de janeiro. Parece que no decorrer do dia deve chover novamente. Tomara seja uma chuvica mansa que não cause atropelos.
Foi quando me veio à lembrança a história daquela meninazinha. Cujo nome era Aninha. A qual vivia a sonhar com uma vida melhor que ela tinha.
Aninha vivia na roça.
Uma rocinha desencantada de todos os predicados de beleza. Era um lugar perdido num mato longe da cidade. Quem por ali passasse por certo estaria perdido. Era um fim de mundo. Longe de tudo e de todos.
Aninha era filha única de um casal meio aparentado. Seu amado pai era primo pertinho de sua mãezinha amada.
Eles viviam da renda pouca de meia dúzia de vacas baldeiras.
Que produziam quase duzentos litros de leite na melhor época do ano. Quando a chuva escasseava a produção caia à metade.
Mas eram felizes a sua maneira. Contentavam-se com pouco. Eram pessoas da prateleira de cima como se costumava dizer nos arrabaldes.
Naquele ano choveu além da conta. De noite chovia e de dia continuava a aguaceira.
Aninha, naquele dia cinzento, não pode ir à escola. A chuva era tanta que a impedia de subir o morro barrento. Seu amado pai não conseguiu leva a filhinha na sua carroça. Pois a mula amanheceu manquitola.
A chuvarada persistiu a semana inteira. Nada de ver a luz do sol brilhar no azul do céu.
Naquela manhã cinzenta Aninha olhou pro céu e perguntou a sua mãezinha: “mãe. O céu tem goteiras? Por que chove tanto”?
A mãe da menina, sem resposta naquela hora, depois de muito pensar, acabou respondendo: “não minha filhinha. Acontece que o tio Pedro se esqueceu de fechar as torneiras. E elas pingam sem parar.”
Não satisfeita com a reposta da querida mãe Aninha retrucou.
“Não mamãe. Acontece que o tio Pedro morreu. Na noite de ontem ele subiu aos céu. Virou São Pedro. E descuidado que sempre foi acabou se esquecendo de tapar a boca das nuvens. Daí a chuvarada que tem caído do céu.”
Não sei se seria essa a verdade. O fato retrato é que tem chovido demais.