Sempre tive uma atração quase fatal pelo passado.
Digo fatal, pois, todos que comigo conviveram já partiram rumo ao desconhecido.
Não sei se em direção ao azul do infinito ou ao cinza que indica mais chuva que deve cair.
Velhos casarões que resistem ao tempo. E não se curvam à modernidade, dura realidade quando espigões olham de cima as velhas casas. Um casario baixo que daqui se deixa ver.
Naquela mesma rua onde cresci e deixei de ser menino. Pena, pois gostaria de continuar assim. Ingênuo, inocente, cujo único pecadilho era olhar as pernas morenas das meninazinhas. Que descuidadas assentadas em carteiras por detrás da minha. Sem querer ou desejando deixavam a descoberto suas calcinhas. E de que cor elas eram? Era essa a pergunta que eu lançava ao meu amiguinho esperto que já tinha provado aquela gostosura.
Aquele velho casarão ainda existe. Não apenas e tão somente em minha imaginação fecunda. Ele ainda resiste. Tijolo por tijolo. Telhado ainda sóbrio a cobrir suas paredes tintas da mesma cor esmaecida pelos anos.
De vez em quando faço-lhe uma visita.
Adentro por sua porta entreaberta. Carunchada e carcomida pelos cupins e traças.
Peço licença aos morcegos seus inquilinos que me olham de cima e nem me cumprimentam.
Entro pé ante pé pisando macio seu piso feito de tábuas que teimam em não afundar. Percorro quarto por quarto e seus salões me fazem lembrar festas de arromba. Quando valsas bem rodadas ali encantaram casais. E muitos deles se amaram e se casaram.
Passo minutos admirando seus portais de madeira nobre. Abro seus janelões para que entre uma nesga de sol.
O velho casarão parece retribuir a minha visita. E permite que suas paredes caiadas de branco mudem de cor para um amarelo acinzentado pela velhice.
Passo horas ali dentro. Me dirijo ao cômodo de banhos. Ali um vaso sanitário me olha pedindo, por favor, não me use, pois não tenho água para descarga. Um chuveiro, em desuso, me implora para que eu não tome banho nele. A derradeira vez que ele foi usado agora pertence não ao presente e sim ao passado.
Já é hora de deixar o velho casarão entregue as suas lembranças. Numa parede da sala de visitas se mostra dependurada uma velha fotografia. Um casal e uma criança linda me olham como se quisessem suplicar a mim mesmo: ”por favor. Impeça que destruam esse velho casarão. Foi aqui que passamos mais da metade de nossa existência. A outra moramos no céu”.
Foram quase duas horas inteiras que passei dentro daquele velho casarão.
Foi quando me reportei ao passado. O mesmo que ele foi construído.
No frontispício de entrada daquele velho casarão uma data se podia ainda ler – dia um de fevereiro de 1875.
Ainda tive tempo de ali permanecer por mais meia hora. Voltei à sala de jantar. Cadeiras de espaldar alto me convidaram para assentar. Pratos e travessas quebradas estavam à mostra. Um silêncio sepulcral se fez ouvir. Murmúrios, conversas em voz baixa, me pareceram muito próximas.
Mas tive de me ausentar. Parece que minha presença estava incomodando os moradores do velho casarão.
Saí pela porta da frente. Pisando leve para não machucar ainda mais o velho piso.
Não sei se foi mais uma imaginação de minha parte quando escutei. Já no lado de fora do velho casarão. Alguém me pedindo: “por favor. Não permita que alguém destrua nossa velha casa. Ainda moramos aqui”.
De novo voltei os olhos para a velha fotografia. Mas ela não estava mais presa a parede onde pela última vez a vi.