Trago comigo a certeza do tempo

Como definir tempo?

Um espaço de horas que vão embora?

Um átimo de minutos que os ponteiros dos relógios dizem pra gente se apressar?

Tempo que se foi pra nunca mais voltar? Dar tempo ao tempo para repensar naquela mulher que o deixou sem ao menos dizer por quê?

O tempo passa. Avoa como as andorinhas partem fugindo do inverno em busca do verão.

O tempo nos diz com sua voz quase sussurrada: “cuidado com o envelhecer. O mundo não tem lugar para os idosos. Eles, que já deram sua contribuição aos jovens, ao atingirem maior idade são descartados como cartas fora do baralho. E quase jogados fora como um sapato velho. Depois de tudo que fizeram em sua juventude perdida”.

O tempo tem seus contratempos. Não há como domar sua velocidade. Na mesma hora em que aqui estamos já temos de deixar os desenganos. Um dia aqui não mais estaremos. Uma vez a idade montando-nos às costas temos de nos mudar de nossa velha casa que será passada adiante. E nos tornaremos apenas e tão somente um velho quadro dependurado na parede. Velhas fotografias descoloridas pelo tempo.

Tempo- ninguém está imune a sua passagem. Ele passa com a velocidade de um cometa. Veloz como o farfalhar de asas de um beija-flor.

Uma vez mais velhos perdemos a serventia. Logo seremos substituídos pelos jovens que logo se esquecem de quem fomos. E nosso passado nada conta.

Aqui estou, nessa linda cidade, desde o ano de 1977.

Depois de me especializar em Urologia. A princípio na capital de meu estado. Para depois concluir minha especialização em Madrid.

Aqui cheguei com a maleta de médico recheada de sonhos. Que continuam vivos até hoje.

Nesse ano em curso celebramos, a nossa turma da UFMG de 1974. Cinquenta anos de graduados. Quase uma vida.

Ainda não aposentado pretendo continuar na lida até quando a saúde me permitir. Quando meu tirocínio estiver afiado não me jubilarei jamais. O ócio é o começo do fim já dizia meu saudoso pai.

Os tempos mudaram. E nós acompanhamos a mudança do tempo. A vida seria insustentável não fossem as mudanças.

A medicina, como outras profissões, se modernizou. A cirurgia aberta quase se fossilizou. Agora os robôs são um desafio a serem enfrentados. E nós, esculápios de mais idade, não temos como acompanhar a evolução dos tempos. Eles são outros e nós continuamos os mesmos.

E como as novidades são procuradas nos novos tempos.

O povo me parece desmemoriado. Se esquece de tudo aquilo que os mais velhos fizeram em prol da comunidade.

De vez em quando me param nas ruas e me dizem: “doutor. O senhor operou meu avô de próstata. E ele ainda vive”.

E ainda continuam a me perguntar: “o senhor já se aposentou”?

Metade de mim sim. A outra metade não.

Isso merece uma explicação. A urologia ainda persiste. A medicina sobrevive. A outra metade vai continuar a retratar o cotidiano até o fim. Escrever pra mim é como uma terapia. Tão vital como o sol que me alumia.

Creio ter sido ontem. A minha secretária se fazia ausente.

Não tenho o costume de atender ao telefone. Mas naquele momento ele tilintou.

Do outro lado de linha uma pessoa falou. E eu atendi com a cordialidade costumeira.

“De onde fala? É do consultório médico? Qual a especialidade? É mesmo Urologia”?

Respondi um lacônico sim. E perguntei se ela gostaria de marcar consulta.

Foi quando a interlocutora ainda quis saber se o médico era velho ou de menos idade.

Na hora não soube responder. E a voz do outro lado da linha de novo interrogou se o doutor era velho ou não.

A ligação foi interrompida. Dez minutos depois a mesma pessoa voltou a ligar.

“Gostaria de saber a idade do doutor. Ele, o urologista, é mais novo ou mais velho”?

A resposta veio carregada de nostalgia.

“Deseja mesmo saber? Tenho certeza que meu tempo de vida me dotou de muita experiência. Aprendi, com os anos, a errar menos”.

Não sei se ela marcou a consulta tempos depois. Agora dou tempo ao tempo. A espera que pessoas respeitem os mais velhos. E não ignorem tudo aquilo que deixamos como legado as novas gerações.

 

 

 

 

 

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