Parece que foi ontem

O hoje antecede ao ontem. O amanhã sucede ao dia de hoje.

E que dia cinzento amanheceu hoje. Choveu a noite inteira. E como tem chovido nesse quase findo janeiro.

Ontem foi dia vinte e oito. Vinte e nove me acordou a mesma hora de sempre.

Parece que foi ontem que a conheci. Fazendo as contas, dez de namoro, e quase cinquenta de união. Uma vida inteira nos viu passar. Quantos janeiros se foram. Fevereiros deixaram poeira pra trás. Quantos carnavais pulamos juntos. Eu desmascarado. Ela com sua fantasia de Colombina por ela me enamorei. E, se bem que tentei beijá-la naquele momento, mas a prudência me recomendou deixar pra depois.

Parece que foi ontem que a conheci. Creio ter sido no rela do jardim.

Ela, menina ainda. Uma bela moreninha de olhos negros como a noite sem lua. Cabelos castanhos hoje tintos pela neve dos anos. Lindas pernas morenas que meus olhos cobiçavam. Ainda me lembro de um dia. Era uma manhã sol a pino. Nas águas da piscina do mesmo clube que ainda frequento. Eu mergulhava sem muita profundidade. E admirava aquelas pernas morenas e aquele corpo que um dia seria meu.   E foi assim que aconteceu.

Ontem, vinte e oito de janeiro. Perfazemos quarenta e sete anos de casados. Nosso namoro começou dez anos antes. Estamos juntos a quase uma eternidade.

Se desse conta de contar os dias. As horas, minutos e segundos, quantos seriam?

Só sei que cada vez menos sei a certeza nunca saberei.

Só sei que tem valido a pena a nossa união de tantos anos. Sei ainda que toda relação está sujeita a tempestades e calmarias. Que é preciso paciência e compreensão a cada dia. Pois a vida que se leva nada se leva dela a não ser guardar no coração boas lembranças passadas. Se bem que águas passadas passam e não levam nada a não ser filhos e netos. E que coisa boa é acarinhar netinhos. Vê-los nos fazer de cavalinhos montando-nos às costas. Fazendo-lhes as vontades. Pena que não para sempre já que um dia a vida termina.

Parece que foi ontem que a conheci. E já fazem tantos anos que nossos olhos se cruzaram. Nossas mãos se apertaram. Nossos lábios se uniram num longo beijo apaixonado.

Mas toda união está sujeita a um dia terminar. A nossa ainda não. E tomara ela persista por longos dias, horas, minutos incontáveis e segundos.

Parece que foi ontem que nos casamos. Foi naquela casinha que moramos. Depois nos mudamos para outra maior no mesmo bairro Centenário.

Já fazem tantos anos.

Nesse mês de janeiro, no dia de ontem, quase adentra fevereiro, completamos quarenta e sete de consórcio matrimonial. Parece que foi ontem a primeira vez que nos encontramos no rela do jardim. Ela pra lá e eu no sentido inverso.

Ainda não sabia fazer versos.  Se bem que ainda não sei.

Agora, nessa hora ainda cedo, nesse dia cinzento, espero que nossa relação não se acinzente nunca.

Pois se me perguntarem se tem valido a pena. A resposta lhes passo agora.

Parece que foi ontem que a conheci. Ela com três anos menos que os meus. Ela avó de três adoráveis netinhos. Eu avozinho deles três.

Espero completarmos mais outros tantos anos de união. E que nosso consórcio só se desfaça quando a morte vier nos buscar.

Parece ter sido ontem que nos encontramos no rela do jardim. Nessa mesma praça, naquele mesmo banco. Em meio às mesmas flores rosas do mesmo jardim.

Ontem celebramos quarenta e sete anos de casados. Mais dez de namoro. Quantos anos fazem?

Espero, na minha esperança mais sincera. Que mais outros anos felizes nos acolham.

 

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