Ai que saudade dos velhos anos.
Quando tudo fazia mal.
Comer manga com leite dava indigestão. Tomar banho quente fazia mal ao coração.
Dormir até tarde era coisa de gente preguiçosa. Mas quem diz que fazia mal tirar um cochilo depois do almoço? Barriga cheia pé na areia. Melhor ainda pular as ondinhas do mar quando esse se acalmava. E ainda tem quem dizia que tudo aquilo não passava de marolinhas. Quando a coisa tava presta quem nem anu caído num balde de piche.
E ainda me lembro de quando minha mãe dizia: “Paulinho se acautele. Estude com mais afinco senão você vai virar coisa que não presta”.
Mas eu dizia: “calma minha querida mãezinha. De vez em quando uma folguinha ajuda nos estudos. Sempre fui um aluno aplicado a senhora bem sabe”.
O conceito de fazer mal mudou ao sabor dos tempos. O que dantes fazia mal agora não faz mais tanto mal.
Trepar num pé de jabuticaba depois de uma chuvinha despencada na noite de ontem só faz mal aos incautos. Aqueles que se descuidam de onde põem os pés. Se for na forquilha onde o sabiá fez o ninho nada a temer. Lá é um lugar seguro senão ele não o faria. Criar filhotes num ninho mal colocado só pode dar errado.
Faz mal sim se descabelar por pouca coisa. “Não se apoquente meu filho! Esquentar a piolhenta pra quê”? Mais um sábio ensinamento herdado de minha mãezinha. Que me dizia ainda: “Paulinho, não roa as unhas que elas já estão no sabugo”.
Mas eu não entendia a razão dos porqueres que tanto me atazanavam. E continuava pensando que tudo aquilo que eu não entendia fazia mal.
A diferença entre mau e mal era pra mim uma confusão que somente teve fim anos mais tarde. Quando a minha querida professora, dona Beliza, que Deus a tenha, me explicou docemente que o bom deveria prevalecer ao mau. Mau com u quer dizer exatamente o contrário de bom. E mal com l é o oposto de bem.
No entanto, na minha concepção, persistia em achar que tudo que comia fazia mal. E me dava uma dor de barriga só de pensar em comer torresmo mal frito na gordura vencida.
Já agora, na quase aurora da minha vida bem vivida. O que antes pensava que fazia mal que mal que faz?
Faz-me mal sim. Ouvir o galo cantar antes da hora. Acordar tarde. Não escrever a cada dia. Deixar de lado a prática constante de atividade física. Não por em prática os sábios ensinamentos dos meus pais. Pensar na aposentadoria como o final dos tempos. E continuar a nada fazer uma vez envelhecidos anos a fio.
Faz mal sim. Imiscuirmo-nos em discussões infrutíferas em assuntos que não nos dizem respeito como política, futebol e religião. Tomar partido de partidos políticos, pois nunca entraria em rusgas desse tipo.
Faz-me mal sim. Ouvir besteiras saídas das bocas dos pseudo entendidos. Os donos da verdade mal sabem de que lado ela está. Se do lado de cá ou acolá.
Faz-me bem saber que com o tempo mais nada sei. O aprendizado constante nos aproxima dos sábios. Mas nunca atingiremos a sabedoria completa.
O que faz bem ou mal ainda não sei. Só sei que cada vez mais nada sei.
Os tempos mudam. Os conceitos se modificam. O que dantes era verdade passa a ser mera conjectura.
Faz-me mal sim. Desconhecer o que é certo ou duvidoso. Ai me apoquentam tantas indefinições. Só sei que o que me faz mal talvez não faça a vocês.
Tenho dito e escrito.