Conheço o Cláudio há anos passados.
De quando em vez passo por ele a caminho da minha roça.
Sempre sorridente. Caminhando na escuridão que o cerca. Nunca o vi de mau humor.
Ele troça da própria desdita. Quando o chamam de cego ele logo diz: “ah! Quer mesmo saber? Eu enxergo na escuridão. E você? Que mal consegue identificar a luz de uma lamparina no escuro do pisca pisca frenético de um casal de vagalumes na hora de namorar”.
Cláudio é desprovido de visão desde que Adão perdeu o paraíso. Pra ele não faz falta. Andar no escuro. Dormir de olhos abertos ou fechados. Não enxergar a maldade que pulula ao seu lado. Ele sim. Se sente feliz na escuridão a que está acostumado.
Já eu, e penso que dá no mesmo a vocês. Se me privarem da visão talvez não tenha mais razão de viver. Como irei enxergar o teclado negro desse meu computador. Como vou saber se alguém está lendo ou não entende o que lê? Como irei proceder ao atravessar a rua se não tenho mais esse sentido com o qual nasci e espero continuar até o final dos meus dias. Por certo irei precisar da ajuda de terceiros.
Gostaria sim de fechar os olhos na hora de conciliar o sono. E sonhar requer olhos fechados para não constatar as desigualdades a que assistimos ao caminhar pelas ruas.
Gostaria sim de ter meus olhos fechados aquela hora mágica de afanar um beijo daquela pessoa que tanto amamos. Mas espero que ela não desvie seus lábios rubros dos meus.
Gostaria de cerrar meus olhos ao ver tantas pessoas dormindo ao relento. Ao mesmo tempo não gostaria de ver cães abandonados nas estradas depois de pensarem que estão apenas dando um passeio com seus donos ingratos.
Gostaria ainda de ter meus olhos fechados apenas e tão somente naquele momento trágico de quando deixarmos de viver. Ai sim não mais verei a luz das estrelas. Nem ao menos o vôo errático de uma borboleta de flor em flor.
Gostaria que fechassem meus olhos assim que perdessem a serventia de ver. Pois olhos que não enxergam pra mim nada mais a fazer.
Gostaria, um dia, que esse dia se alongue além das estrelas, quando eu não mais puder ver, por favor, eu lhes imploro. Nesse momento de puro desalento. Deixem-me avoar para outra galáxia. Bem longe de aqui.
E como gostaria de não mais poder enxergar. Pra mim tanto faz como se desfaz. Naquele dia malogrado. Malsinado dia. Que essa luz que me alumia. Que se apague não a minha visão. E sim as lembranças tristes que tenho guardadas nalgum lugar desse meu cérebro irrequieto que pensa tanto. Mas que eu nunca perca o encanto de não poder mais enxergar.
Gostaria, um feio dia, se porventura de uma desventura eu não mais estiver por aqui. Enxergando além das entrelinhas. Se minha visão astuta não tiver mais valia. Deixarei escrito no meu legado.
Como gostaria de não enxergar tanto. De poder ver além daquilo que mereço. Com tanto apreço deixarei a vocês como herança. Esse e outros incontáveis textos. Creio que eles todos somam a mais de vinte mil.
Mas jamais gostaria de perder a visão. Não a visão catastrófica do fim do mundo, o apocalipse dos tempos. O fim de tudo. E sim o recomeço.
Se meus olhos perderem o significado. Se um dia for privado da visão. Tomaria por empréstimo os olhos que não enxergam do amigo Cláudio. E com eles ira caminhar sorridente pelas estradas da vida sem a ambição desprendida dele; de não poder ver nunca mais.