O dia em que Maria das Graças caiu em desgraça

Palavrinha mais graciosa essa chamada graça.

Tanto pode ser no sentido de gracejar. Como se engraçar com alguém.

Ou ainda quando a gente pergunta a outrem: “qual a sua graça”?

“Graças ao bom Deus”! Ainda podem dizer em agradecimento a uma graça conquistada.

Fazer graça não está sendo fácil nestes dias bicudos que a gente atravessa. Emprestar dinheiro então… Corre-se o risco de não tê-lo de volta e a pessoa a quem emprestou dar-lhe o cano.

Num bom latim graça quer dizer benevolência, mercê, estima ou favor que dispensa ou recebe. Uma bênção pode ter a mesma sinonímia de graça. No grego subentende-se fazer um favor.

Depois de tantas graças citadas acima espero não cair em desgraca a vocês meus queridos leitores. Os quais espero, veementemente, não venham a se tornarem meus eleitores. Pois jamais desejo cair na tentação de me candidatar a um cargo público. A não ser me tornar imortal pelos meus escritos.

Pra quem não conhece essa pessoinha antes toda pura. Cujo nome de batismo era Maria das Graça. Eu lhes apresento agora.

Ela nasceu menina. Filha único e amada pelos pais amantíssimos.

Mas, no decorrer dos anos, e eles levaram um tempinho para que aquela menininha diferente passasse a entender das coisas e loisas. Aquele lacinho de fita amarela passou a incomodar a pretensa linda donzelinha.

Elazinha não se sentia a vontade como sendo do sexo feminino. Ao revés.

Elazinha se vestia tal e qual um meninozinho. Tinha todos os trejeitos de macho. Fazia beicinho quando a chamavam de Mariazinha das Gracinhas.

Elazinha, ou elezinho, era o primeiro a ser convocado, ou intimado (a), a fazer parte do time de futebol onde apenas jogavam meninos. E corria de pernas fechadas tentando esconder aquilo que mais a incomodava; que ao invés de ser uma fenda rasa preferia ter um pequeno artifício que aos meninos tinham dupla serventia; tanto pra urinar e mais tarde copular.

Maria das Graças crescia mais e mais insatisfeita com seu nome de batismo.

Os quinze anos, completos naquela data, decidiu sair de casa.

Já era adulta o bastante para andar sozinha. Ou sozinho.

Aos vinte foi empregada, ou empregado, num hospital. Trazia na algibeira um diploma de enfermeira. Ou com o no fim.

Era tida, ou tido, como uma (um) funcionária (o) exemplar.

Não perdia um dia de serviço. Chegava pontualmente antes da hora.

Aos pacientes se dedicava de corpo e alma. Entregava-se totalmente à lida com os enfermos.

Aos trinta tomou a si uma súbita decisão.

Resolveu mudar o nome de batismo. O de mulher não lhe servia mais.  Queria por que desejava chamar-se Mario. Se for de graça tanto faz.

Mas para conseguir essa graça tinha de fazer uma cirurgia complicada que custava os olhos da cara.

Foi então que ela, ou como preferia ser ele, soube que o sistema único de saúde se encarregava da transformação chamada transgenitalização. Também chamada neofaloplastia. Ou, na linguagem mais acessível mudança de sexo.

Começava ai uma dura empreitada na vida dúbia da nossa Maria das Graças que não via graça nenhuma em ser mulher.

Era uma fila enorme e desprovida de graça para conseguir tal intento.

Maria não via a hora de ser operada. Fez todos os exames pedidos pelo médico intervencionista.

Mas na hora que pensava chegar a sua hora nada de se internar.

Dois anos se foram. Três se sucederam.

Maria das Graças perdia a graça de ser chamada quando uma intimação a intimou a ir ao mesmo hospital onde trabalhava. Enfim ela, ou ele, iria mudar de sexo.

Mas na hora H eis que faltou luz no hospital. A verba destinada a tal procedimento foi desviada e nunca mais voltou. Dizem ter sido embolsada pelo diretor. Um político inescrupulosos que nunca foi preso. E vive nababescamente sorrindo da desdita dos pacientes.

Não precisa dizer que nunca mais a pobre desinfeliz da Maria da Graça conseguiu sua graça de ser transgenitalizada. E hoje ela caiu na desgraça de todos que com ela, ou ele, conviveram.

Graças a Deus, diria eu.

Que ela, ou ele, continue a trabalhar sempre. Cuidando da gente. Como lhe aprouver melhor.

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