Quisera ter

Já tive quase tudo que gostaria.

Já fui menino. No entanto perdi a infância.

Passei pela mocidade e acabei alcançando a maior idade.

Adultei-me e pensei criar juízo. Mas quem diz que aquele menino que morava em mim se foi com o passar dos anos?

Envelheci. Colhi anos em meio a múltiplos desenganos.

E como sofri ao ver a idade chegar. As rugas passarinharem-me pela face. As cãs branquearem-me as têmporas. O viço da mocidade se perder naquele sorriso escancarado que ria apenas ao ver cenas pra mim engraçadas. Mas elas se foram ao constatar que toda aquela graça se transformou em desgraça. Quando as doenças se aboletaram em meu corpo fatigado quando não mais jovenzinho.

Já agora, que a vida continua célere, já estamos quase no final de janeiro, eis que adentra fevereiro, quisera ter a doçura de uma manga ubá madurinha colhida inda agorinha no pé.

Como gostaria de ter a mesma idade de quando assoprei minhas primeiras velinhas.

Foi um bolo lindo que minha mãe preparou. Ainda me lembro dele. Era em forma de um pequeno campo de futebol gramado em verde. Confeitado em coco branquinho. Por cima dele uma trave feita de palitos de fósforo. E os jogadores eram todos com os nomes dos meus amiguinhos presentes àquela festinha. Pena que os presentes já viraram sonhos. E não mais existem senão na minha fecunda imaginação.

Quisera ter a ingenuidade de quando menino. Não punha maldade em nadinha. Ao olhar as perninhas cruzadas de alguma coleguinha assentada numa carteira por detrás da minha não tinha o costume de deixar cair uma borracha no chão para olhar a cor daquela calcinha.

Quisera ter sim um cadinho de esperteza. Quando tinha alguma dificuldade nalguma matéria. Era a aritmética que me atazanava. Outros colegas descaradamente pediam cola. E eles tiravam notas melhores que as minhas. Mas tudo isso não passava de fruto de logro. Pois o moleque Joãozinho era um cdf danadinho. E era ele quem cobrava a merenda na hora do recreio aos que a ele pediam cola.

Quisera ter perdido a inocência quando aquela linda garota a mim ofereceu um lancinho na sua casa. E eu não fui pensando naquilo que elazinha poderia fazer comigo.

Quisera ainda, quando entrei na adolescência, já não mais menino. Ao pedir emprestado uma revista onde mulheres desnudas ilustravam a capa. Cujo nome era Playboy. Entrava no casinha onde se faz xixi e lá ficava a sonhar sonhos de puro erotismo. Sem saber, contudo, como se fazia aquilo.

Quisera ter, e ainda não tenho, tempo de ficar assentado a um banco da praça. Pois ainda não me aposentei de todo. Somente parte de mim.

Quisera ter, ainda não sou capaz, de deixar livros de minha autoria, numa livraria qualquer, e vê-los desaparecer um tempo depois. Adotados por quem ama ler.

Quisera ser capaz, num tempo que seja breve, ser reconhecido em vida. Já que no pós mortem de nada adiante depositarem lágrimas ou flores sobre a lápide de meu túmulo se não serei capaz de saber quem foram os autores.

Quisera ainda saber quem foi que apreciou a leitura de algum livro meu. Depois de mais de vinte editados. Ou se continuou a leitura até o final. Ou se por acaso parou no meio. E qual trecho mais gostou.

Quisera ter sob meus olhos, agora não mais criança, toda a ternura da minha doce infância. De ver o desabrochar de uma flor. O farfalhar de asas de um beija flor. Uma mãe amamentando um filho. Um pai acarinhado uma criança que não a sua.

E como gostaria de ver a fome erradicada de nossa pátria amada. A educação sendo levada a sério e não meras falácias de um governo falastrão.

Quisera ainda voltar a minha infância. Por meia hora apenas. E lá estreitar em meus braços os corpos saudáveis dos meus pais.  E dizer-lhes. Se não o disse dantes. Como amo a vocês dois.

Quisera ter e fazer tantas coisas. Não vou decliná-las todas.

Deixo aqui, nesse texto de agora cedo, uma sinopse de tudo que me aprazeria ter e fazer.

O resto, deixo pra depois.

 

 

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