Nunca fui um reclamão de verdade.
Procurava enfrentar as adversidades do jeitinho que elas apareciam.
Passaram-se anos. Mesmo sujeito a desenganos lá ia eu, de cabeça erguida, com os pés fincados na terra batida, enfrentando procelas e tempestades.
Sorria ao ver uma chuvica mansa molhar a terra. Um barrinho grudento não impedia a minha subida.
Mas tem gente que costuma reclamar de tudo. Uma simples topada numa pedra dura o faz chorar de dor uma dor quase sempre ausente.
Hoje, uma vez vendo a mocidade se despedir ao longe, sem ao menos dizer adeus, acostumei-me a olhar de frente todos os percalços que se interpuserem a minha caminhada. Pra onde vou. Se vou. Se retrocedo ou fico onde estou. Só interessa a mim mesmo. Pois sou dono dos meus atos. Responsável pelos meus fracassos. E me dou por mais que satisfeito por tudo aquilo que conquistei.
Tem gente que reclama se o pão está duro. Mas a dureza da vida não me apoquenta. A vida tem sido amena nos meus mais de setenta. Pretendo que ela continue assim enquanto eu viver.
Dou-me por satisfeito mesmo sujeito aos contrafeitos por que passei.
Se um dia tive a graça de não cair em desgraça foi por culpa de quem?
Essa ventura computo a mim mesmo e a esse computador que tem sido fiel a mim.
É ele quem suporta meus repentes de inspiração. De tristeza e alegria. Sentimentos os quais tem sido desfrutados a cada dia.
Não se pode sorrir o dia inteiro. Nem ao menos chorar quando a melancolia nos domina.
Sou refém da sensibilidade. Sou puras lágrimas que podem não se ver na minha face. Mas elas choram por dentro do meu corpo envelhecido.
Confesso-me um baú cheio de saudades. Um poço profundo de sentimentos.
Compadeço-me ao ver uma criança dormindo. Um velho ao desalento. Assim como uma pétala desfolhada de uma flor que não foi colhida a tempo antes de ser incorporada a terra ressequida que não vê a chuva desde o verão passado.
Dou-me por mais que contente ao ver meus filhos criados. E eles me presentearam com três netinhos os quais tenho como continuação de mim mesmo.
Não tenho do que reclamar da vida que tenho levado. Ela tem sido mais que magnânima pra mim.
Se não tive mais como agradecer as bênçãos que recebi o faço agora. Antes tarde que quando eu não mais estiver por aqui.
Posto-me de joelhos em eterno agradecimento. Olho pro céu e reverencio aquele que por certo olha por nós. Ele não se deixa ver. Nas alturas ou aqui pertinho de nós.
Deixo como legado, a quem quiser receber. Aos que me sucederem. Ou seja, a outros que desconheço. Esta e outras páginas escritas no dia de hoje ou dantes. São tantas que perdi a conta de quantas foram. Mas deixo-lhes prazerosamente, além do que tenho e o que pretendo ter.
A certeza que fui e ainda sou feliz. Embora saiba que se dar por satisfeito é uma prerrogativa do bem viver.
Dou-me por mais que feliz ao saber que meus textos foram apreciados por aqueles que se deram ao deleite de lê-los.
E me darei por mais que satisfeito ainda se por ventura, no meu ocaso, quando não mais estiver por aqui. Meus livros serão folheados, página por linha, parágrafo por parágrafo. Até chegar ao ponto final e quem o leu disser encantado: “gostaria de não ter acabado”.
Dou-me por mais que satisfeito por ter contribuído, modestamente, para o deleite de todos vocês. Não que vai me doer de verdade.