Hoje, assim que cheguei à minha oficina de trabalho. Vi, com esses olhos que não mentem, e apenas inventam, duas tracinhas devorando livros de linha lavra.
Não no sentido lato da palavra. Qual seja mastigando folhas de um dos meus livros com seus dentinhos afiados. E sim, entendam de vez. Passando seus olhinhos numa página qualquer. Creio ter sido nesse meu último romance de nome Rakel.
Interpelei-as sutilmente para não tirá-las de sua leitura a qual pensei, de momento, seria em verdade um grande entretenimento. E elas duas olharam pra mim e disseram em conjunto: “o senhor pensa que somos apenas devoradoras e mastigadoras de papel? Ao revés. Adoramos ler. Aprendemos a soletrar letrinhas com nossa primeira professora a dona Traça. E até hoje, desde que moramos aqui, já lemos quase todas as suas crônicas. E agora estamos passando os olhos nesse romance que o senhor acabou de editar. E olha como ele nos atrai. Estamos quase no seu epílogo. Por favor, nós lhe pedimos. Não pare de escrever nunca mais”.
Ah! Como gostaria que fosse verdade tudo aquilo que deixei escrito nesses parágrafos que terminei de escrever. E se realmente as pessoas, de fato, fossem leitores contumazes. E praticassem o nosso rico idioma usando palavras exatas e não anglicismos emprestados de outras línguas.
Como me aprazeria se ao invés de fecharem livrarias elas se mantivessem de portas abertas. E as casas onde moram livros fossem procuradas como abelhas se amontoam em colméias.
Como gostaria que a chuva despencasse mansinha ao revés de provocar tamanha tragédia como tem acontecido em tempos recentes.
Como soaria como música de qualidade aos meus ouvidos se porventura a gentileza fosse praticada em nosso cotidiano por vezes recheado de atos praticados em discordância com o bom convívio que deve ser preservado nos relacionamentos interpessoais.
Como gostaria que o cadinho de vida que ainda me sobra se alongasse por muitos anos mais. Que a fraternidade entre os povos ocupasse o lugar de guerras que infelizmente acontecem.
Como ficaria feliz se a tristeza tivesse apenas um espaço mínino na minha vida e na de vocês. Embora saiba que a felicidade é feita pequenos suspiros. E o suspirar profundo pode ser pra gente o derradeiro em nosso viver.
Como gostaria de entender o porquê de tantas interrogações que me assaltam de quando em vez.
Por quê? Indago-me. Nessa conjuntura atual, idolatram-se quem não tem valor. Ícones de pés de barro. Em detrimento de verdadeiros heróis. Policiais que perdem a vida em defesa de cidadãos. Profissionais de saúde que se desdobram em plantões intermináveis. Mestres que passam adiante o seu saber.
Gostaria de mudar tantas coisas. Pena que não consigo. Apenas sublinho aquelas que me apoquentam mais.
Não gostaria de mudar o curso de um rio. Pois ele escorre lento e não retrocede e nem olha pra trás.
Gostaria que fosse não só do meu jeito. Pois quem sou eu para ditar normas e desenhar conceitos? Se nem bem sei qual o lado certo ou errado.
Mas gostaria que pelo menos uma parte de vocês se comportasse tal e qual essas tracinhas leitoras que na manhã de hoje pilhei-as dando de comer aos olhos num livro meu.
Pra mim isso bastaria. Gostaria tanto que esse texto fosse bem apreciado por vocês.