Faço o que eu digo e não o que faço

Atitudes permanecem. Palavras se desfazem com o vento.

Não sei de quem é a autoria dessa frase. Se não é minha eu não a inventei.

Fui eu quem escreveu a frase lapidar que se mostra sobre o túmulo do meu pai: “exemplos ficam. Saudades permanecem”.

Ele sim. Fez das suas atitudes exemplos a serem seguidos. Era um homem de poucas palavras. Mas deixou pra mim esse dito: “meu filho. Não se aposente nunca. O ócio é o começo do fim”.

De fato. Embora já esteja aposentado do serviço público da medicina não me jubilarei jamais.

Ainda pretendo excercê-la por muito tempo mais. A não ser que alguns percalços se interponham entre nós.

Se me faltar o tirocínio. Se não for capaz de examinar criteriosamente um paciente. Se for privado de emitir um diagnóstico. Se por acaso não mais me procurarem aqui nesse recanto. Onde escrevo febrilmente a cada dia. Não me faltando um dia sequer. Nem aos domingos onde aqui me encontro. Se minhas pernas claudicarem. Se a confiança que me depositarem se perderem no olvido do esquecimento de quem eu sou. Aí sim. Um dia, que se alongue mais de muitos anos, estarei pronto ao abandono. Entregar-me-ei de corpo e alma a essa arte que abracei. E como escrever me encanta. Retratar nesse computador que não tem descanso tudo que me passa aos olhos. Um simples vôo de um pássaro vejo nele não apenas o farfalhar de asas como o bico fino de um beija flor osculando a flor. Ou um filhotinho recém empenado deixando o ninho.

Como disse dantes faça o que eu digo e não o que faço.

Confesso-me ser um médico um tanto avesso aos pedidos de exames. Considero, como urologista ainda praticante, o exame físico de maior relevância aos pedidos de exames complementares. Diagnosticar uma hidrocele de uma hérnia não requer tanto um ultrassom. Se bem feito ajuda sim. No entanto, uma palpação bem feita elucida melhor que qualquer exame de imagem. Para isso mister se faz competência e experiência. E isso minha folha corrida corrobora no que penso sobre tais patologias que aparecem em nosso consultório a cada dia.

Sobre as doenças da próstata a minha experiência dita. Façam o exame após os quarenta e cinco. A não ser que algum aparentado tenha tido um câncer nessa glândula que perde a serventia depois de certa idade. Ou noutro caso se por acaso seu jato urinário se interrompe ou afine com o passarinhar do tempo.

Não confie no que dizem certas redes sociais. Que existem fármacos milagreiros para desinchar esta glândula marota que ao crescer entope o canal por onde sai a urina. Não façam como dizem os falsos profetas mal intencionados que só querem auferir lucros em suas postagens tendenciosas. Procurem saber a opinião do seu médico especialista.

Eu, por ter a experiência em tratar essa patologia, confesso-me um tanto relapso em procurar ajuda de um colega. Não acompanho de perto a evolução do meu PSA.

Nem ao menos faço o toque com regularidade. Meu saudoso pai foi meu paciente. E que dia ensombrado tive de levá-lo ao centro cirúrgico para remover-lhe a próstata hipertrofiada.

Felizmente a cirurgia transcorreu sem maiores novidades. E ele sobreviveu muitos anos mais e partiu ao céu por outras causas.

Nesse ano em curso a próstata tem me atormentado. Medico-me conforme tenho o costume.

Tomo medicamentos regularmente.  Mas até quando irei suportar essa imperiosa necessidade de urinar durante a noite? E ver meu jato esmorecer a cada dia?

Quando me procuravam com esses mesmos sintomas, em tempos idos, dúvidas não pairavam no ar. Partia logo para um tratamento mais agressivo.

Metia logo uma sonda, no caso de retenção urinaria, pedia os exames per operatórios, e a seguir levava o paciente ao centro cirúrgico.

Já hoje, quase no ocaso de minha vida, confesso-me mais prudente.

A experiência me dita. Não faça aos outros aquilo que não deseja que façam a você.

Façam o que eu digo. Pra não ver fracassar seus atos.

 

 

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