Entre viver e sobreviver um longo caminho os separa.
Entende-se por viver desejar viver. Um desejo de ser, apesar de tudo. Já sobreviver é opor uma resistência, qual seja, efetuar um trabalho para permanecer, apesar de todos os obstáculos. Nietzche dizia- “viver é reanimar qualquer coisa que quer morrer”.
Já eu acrescento: sobreviver é estar vivo nesse mundo e se manter vivo embora as circunstâncias sejam adversas. Quando o salário pago mal nos permite chegar ao meio do mês. E as contas extrapolam em muito nosso ganho. As diferenças sociais nos revoltam. Onde nas cidades pessoas dormem ao relento. Provocando dentro de mim um enorme desalento. E continuo a não entender o porquê de tantos porqueres. Por que razão as redes sociais escancaram suas portas a pessoas que se dizem influenciadores digitais se nem ao menos sabem digitar muito menos escrever. E só mostram traseiros empinados. Nádegas falsas recheadas de silicone de procedência questionável. E nada têm a acrescentar já que apenas falsidades ensejam em suas postagens que me cheiram a odor nauseabundo de esgoto pútrido e fedido.
Ele sim é um sobrevivente.
Eu o conheci em tempos recentes.
Era um dia quente como hoje nasceu. Quem olhasse o sol por certo teria de usar tapa olhos. Uma luz cegante decerto iria ofuscar-lhe a retina.
Trabalhar a luz do dia era uma temeridade.
Mas Pedro, era esse o seu nome, desempregado desde sempre. Batendo em portas fechadas. Por não ter formação adequada era via de regra recusado. E sempre alguém a ele dizia: “volte noutro dia”.
E ele voltava corajoso e estóico que sempre foi.
E mais uma vez Pedro não conseguia colocação. Por sorte sua família de muitas bocas havia ficado no distante Nordeste. A espera de um dia reencontrá-lo já com a vida feita. Bem empregado numa firma qualquer. Morando numa casa confortável. Não num barraco no alto de um morro onde tiros ecoavam na calada da noite. Deixando no seu rastro corpos sem vida resultado de uma vida desregrada a que estavam acostumados.
E avizinhava-se o final de ano. A proximidade do Natal fazia os olhos de Pedro encherem-se de lágrimas. E ele chorava a deixar uma enxurrada de águas salinas descerem pela sua face crispada de emoção.
O desalento tomava conta de Pedro.
Ainda bem jovem deixou sua cidadezinha natal em busca de melhores dias.
Só que em São Paulo encontrou desilusão.
Aquela cidade grande o recebeu como muitos oriundos do mesmo Nordeste. Pedro não veio num pau de arara e sim numa leva de nordestinos a procura de ocupação.
Uma semana se foi. Outras seguiram o mesmo caminho.
Nada de Pedro conseguir trabalho. Os tostões furados que trouxe lá de longe foram terminando. Pedro passava fome.
Acabou morando debaixo de um viaduto. Sua cama e sua casa se resumiam em um velho colchão surrado e uma lona que a ele servia de telhado quando chovia.
A vizinhança não era nada recomendável. Usuários de drogas o atormentavam durante a noite. De vez em quando, durante uma batida da polícia, Pedro era preso. E passava dias enjaulado como bandido que nunca foi.
E a vida daquele homem bom nunca passou daquilo que o presente a ele presenteou. Sem emprego. Sem ocupação definida Pedro passou a esmolar.
Naquela sexta-feira, no cair de uma tarde, quase fechando os olhos, meio de dezembro, deparei-me com ele à porta de uma loja.
Pedro me pareceu faminto. Olhos encovados por uma olheira profunda. Mãos estendidas ensejando piedade de todos nós.
Acabei parando um naco de minutos. Dei-lhe uma nota de vinte reais. Que ele agradeceu calorosamente com os olhos cheios d’água.
Foi quando me veio às idéias a palavra sobrevivente. Entre a vida que Pedro levava e viver dignamente existe uma fosso profundo. Um divisor de águas muito além desse mundo tão desigual.
Ele sim. Poderia dizer- não vivo. Sobrevivo.