Como choveu durante a noite. Uma chuva pesada previamente anunciada por raios e trovões.
Também pudera! Depois de um secume daqueles. Não chovia há meses. A tão sonhada chuva era esperada mais que um filho tão desejado. Por aquele casal guerreiro. Há pouco tempo casados. Ainda em lua de mel. Embora não tivessem tempo de folgar. Pois na roça não se pode dar ao desfrute de ficar de barriga pro alto. Olhando as estrelas admirando o nascer da lua lá no alto. Depois de uma noite de amor em companhia do sol. Que a aquece naqueles instantes sublimes à hora de fazerem amor.
Manoel e Manuelina, aquele jovem casal, amantes vivendo juntos desde a mocidade. Nunca renegaram a vida. Pra eles bastante sofrida desde a infância perdida.
Eram ainda garotos quando se conheceram.
Viviam na periferia de uma grande cidade. A vizinhança não era nada recomendável.
Lá no alto do morro morava tanto gente boa como pessoas de vida dúbia. Ao lado de pessoas que trabalhavam duramente outras viviam na bandidagem. Traficantes de drogas disputavam pontos de venda com outras gangues mal encaradas. Tiros se ouviam na calada da noite. De vez em quando corpos sem vida eram encontrados naquele morro de má fama.
Manoel e sua vizinha, a menina de olhos sonhadores, sonhavam em se mudar daquela vizinhança indigesta. Aos dezoito anos incompletos naquele ano tomaram a atitude tão sonhada.
Ainda não casados aventuram-se no campo. Empregaram-se numa fazenda de café.
Sem experiência foram aprendendo o duro oficio. As suas mãos finas logo foram ficando ásperas como dura era as suas vidas.
Aquele casal tinha outros planos. Juntando suas economias, num dia feliz, compraram uma nesga de terra vizinha àquela fazenda enorme. E ali recomeçaram suas vidas até então sem futuro.
Já que o presente a eles era incerto como o passado sofrido.
E de mãos dadas partiram rumo ao desconhecido.
De começo tudo parecia um mar de espinhos. Mas foram cultivando a terra inóspita até verem aquele chão duro amolecer a poder de um esforço conjugado.
No primeiro ano só tiveram prejuízos. A terra parecia improdutiva. Também ninguém a tratou com o carinho que ela pedia.
Próximo a um regato construíram a sua casinha. Tijolo por tijolo, janela ao lado de outra, com os meses passando até que ficou uma morada bem adequada.
Defronte à porta principal Manuelina plantou um lindo jardim cheiinho de roseiras multicores.
Petúnias, azaléias, pingos de ouro, faziam companhia as rosas daquele jardim.
Mas tirar daquela terra árida o seu sustento era uma empreitada ainda mais difícil. Plantar era fácil. Mas pra colher era preciso que o tempo ajudasse.
A primeira roça de milho foi semeada em começo de outubro. E a chuva não caia.
O casal sonhava com a vinda da chuva. E nada de ela despencar do alto.
Todas as noites Manuelina, devota de uma santinha pela qual tinha a maior fé. A ela nomeada de Esperança. Orava contrita pela vinda da chuva. Mas nada de ela cair.
Eis que chega dezembro. Quase véspera de Natal.
Um calor infernal fazia a todos sentirem-se como se estivessem num forno. A quase cem graus centigrados.
Naquela noite quente o casal passou em claro. Embora fosse uma noite escura como breu.
Foi quando por lá passei de volta da minha roça.
Era ainda cedo. Antes de a tarde esfregar os olhos de sono.
Encontrei Manuelina ainda de camisola. Elazinha, encolhida na soleira da porta, parecia admirar as rosas do seu jardim.
Pensando não incomodar a ela perguntei o que estava esperando.
Foi quando ela, erguendo os olhos pra mim me respondeu suspirosa: “estou à espera da esperança que um dia chova”.
Já na cidade desabou um temporal. Agora estou a imaginar a alegria da Manuelina. A sua esperança, em forma de gotas d’água, fez renascer dentro dela a esperança em dias melhores.
O que de fato aconteceu, deveras.