Por vezes assaltam-me mais incertezas que coisas incertas. Balanço-me entre dúvidas e incertezas. Pois passei a duvidar de todas as certezas. Nesse balanço onde me balanço chamado vida. E que vida é essa onde a pobreza bafeja seu hálito de fome entre os abastados endinheirados. Que se banqueteiam às custas da pobreza dominante.
E bem decantou a grande poetisa Cora Coralina: “ mais esperanças nos meus passos que tristeza em meus ombros frágeis”.
Pra nós, médicos, enfermeiros, profissionais de saúde em que nuança de cor for, que militamos entre a cruz e a espada. Já que somos meros enxadachins a serviço da vida e noutros dias a espreita da morte. As incertidudes quase sempre nos domina. Como num jogo de dominó cujas pedras vão tombando um par de seis pula rapidamente o de número quatro ( escusem-me se por acaso não sei jogar dominó).
Na minha seara da urologia, por vezes reluto entre operar e não uma próstata crescida. Que mal provoca sintomas ou mesmo entope o canal por onde escoa a urina. Ou, em outra demão. Não de tinta. Quando me chega à consulta um paciente em idade bem avantajada, pulando aos quase cem. Em estado precário de saúde. Trazendo um exame de PSA elevado. E, ao examiná-lo criteriosamente, chegando a conclusão ser esse paciente sem condições de ser operado de sua próstata. Que bem pode ser de natureza maligna. Não lhe peço para se submeter a um exame invasivo, que pode, além de nele provocar sofrimento e sangramento, simplesmente me despeço dele e dos seus acompanhantes que volte anos e anos depois. Já que, se sua patologia for em verdade maligna, o tal câncer de próstata não vai ser a sua causa mortis. E sim outras doenças intercorrentes entre elas merecem citação o acidente vascular cerebral e uma infecção que fatalmente vai levá-lo ao caixão.
Essa foi a história, se verdadeira ou “fakeciosa”, não culpem a mim como urologista nem ao mesmo ao escritor ficcionista.
O velho Sebastião de fato retrato existe. Ele pode estar se consultando numa oficina de trabalho médicas numa cidade qualquer.
Ou na nossa Lavras amada indo até a nossa linda capital das alterosas.
Tião, prefiro chamá-lo abreviadamente, como ele também manifesta a sua vontade, era um exemplo, sem tirar nem pôr, de uma palavra grafada desse modo- incerteza, incertidudes, deudas, em espanhol, dúvidas em português.
Ele tem dúvidas, por não ser letrado em nossa língua pátria, em como se escreve mal ou mau. De vez em quando eu mesmo grafo mal quando deveria ser mau.
Uma dia, durante uma aula de português, já se fazem longos janeiros, a professora encomendou que seus alunos escrevessem uma redação cujo título seria: “a última flor do Lácio inculta e bela”.
No dia seguinte Tião, ainda menino jovenzinho, trouxe a redação que terminava assim: “meu tiozão enlaçou pelo pescoço grosso a laço, uma florzinha curta e grossa”.
Não sei se a nota dele foi um zero a esquerda ou um quatro feito por um trêbado tentando se equilibrar depois de tantas cachaças no bar da esquina.
E assim Tião continuou sua indecisão até o dia em que ele apareceu aqui no meu consultório a fim de se consultar sobre a saúde de sua próstata.
Ele se consultava indecisamente com perguntas que iam e voltavam sem saber quais eram elas.
“Dotô. A gente quando mija muito de noite quer dizer que estamos sofrendo da próstata? Seria purs causo de quê ela istá muito inframada? Ô purs otro motivo sinar esse? E, quando, quanto quando, nóis nega fogo é purs causo de quê tamo de queixo inrabixado por otra mocinha qui num a nossa? Dotô? Quanta indezcisão ( pensei que ele queria dizer circuncisão). Por motivo de ter fimose”.
A tar consurta durou mais de hora e meia horinha( não usem o corretor ortográfico pois está escrito tal e qual o Tião escreve).
E, ao dar-lhe o veredicto, que seja o diagnóstico, da doença que o trouxe a mim, que se tratava de hiperplasia benigna de próstata. Ele ainda saiu indeciso se iria pagar meia ou o preço inteiro que hoje monta a trezentos e cinquenta reais.
É, mesmo tendo cerca de dez mil crônicas, mais de vinte livros editados, e mais um a sair da maternidade gráfica, ainda me encontro indeciso sobre quem sou eu- um médico escritor pensador. Ou um urologista experiente e experimentado que descobriu não o Brasil.
E sim que se deve tratar o paciente não a enfermidade que o molesta.