“Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática nossa solidão. Nunca houve tanta estrada e nunca nos visitamos tão pouco”.
Deveras. Visitar pessoas perto de nossas casas. Vizinhos que de pouco se mudaram a nossa cidade. A fim de fazê-los entender que são de fato bem vindos. Sem nos anunciarmos de antemão. Singelamente batendo em suas portas ou tocando de leve a campainha. Em casas de gente abastada, dir-se-ia chic, interfones ou sinos que antes badalavam na torre das igrejas se tornarem peças de museus.
Já que em dias passados, ao entrar no condomínio elegante onde passei sete longos janeiros, a procura do carro de minha esposa na casa fronteiriça aonde o veículo se encontrava, parede a parede grudada àquela morada, agora existe uma enorme e belíssima residência de um médico antes amigo meu. Estava com minha bolsa à tira pescoço. Aquela mesma onde sempre se escondem dois livros mais novos de minha lavra. Tinha sim em verdade intenção de aliviar-me de dois deles. Pena. Naquela casa imensa, que deve ter custado uma quantia infinita, não encontrei sinos badaladores. Nem ao menos um singelo interfonezinho ou uma campainha para enfiar meu dedo. E fui embora com a minha bolsa cheia dos dois livros que não pesavam quase nada. Pois letras perfiladas e palavras unidas uma a uma, dá no mesmo que tentar esparramar cultura pelos quatro cantos do mundo. Pena que esse mesmo mundo, soberbamente o nosso desgovernado país, nosso povo, salvo meritórias exceções, nossa gente ainda não se habituou a ler.
Portas fechadas são tristes de se ver. Da mesma maneira que casas vazias logo logo envelhecem e suas paredes antes tintas de branco nelas a amarelice dos anos sujeitos a desenganos tantos perde o viço e se torna de uma cinzentice acabrunhada e tristonha.
Já deixei escrito, em incontáveis textos anteriores, que já colhi setenta e três velinhas no meu bolo dos anos.
Em dezembro perto irei aos sete quatro.
Quando ao espelho pergunto se eu por acaso pareço ter tantos anos ele olha pra mim e diz: “ não senhor. Parece muitos mais”.
E, quando alguém me conhece, ao andar pelas ruas, sabem vocês que ando mais que seriemas corrediças pelas estradas rurais. Eu não tento caçar cobras e lagartos a exemplo dessas pernaltas. Mas que como elas amo roças e seus personagens rurícolas. Não pairam deudas.
Essas pessoas, muitas delas amigas ou velhas conhecidas, quase sempre a mim indagam com uma pulga atras da orelha: “o senhor já se aposentou”?
E a elas respondo: “de quê? Da vida não. Da medicina deixo esse encargo aos pacientes que me procuram nesta sala enorme do Edifício das Clínicas no sétimo andar. Pertinho do Centro Espírita e da minha amada Santa Casa. Onde ainda milito se precisarem. Já do serviço público sim. Da unidade de saúde chamada de posto da Chacrinha. E do ambulatório médico de especialidades, AME, sim. Só vou até eles dois para rever velhos amigos e amigas. Prestimosas enfermeiras ou auxiliares de saúde. Pelos quais ou pelas quais tenho o maior respeito e admiração.
No dia de ontem, pensando em comprar comida de passarinhos, agora o canarinho belga cujo nomezinho a ele dado é Vitinho. Cantante feito prisioneiro numa gaiola que agora cedo cantava na janela da cozinha do meu apartamento. E não entendo como um pássaro canoro canta mesmo estando preso. Se ele canta de tristeza ou alegria. Ao chegar a uma loja onde dantes existiam inúmeros pássaros e animaizinhos mansinhos. Ai que saudade do Zezinho. A minha calopsita de quem não sabia o sexo. Se macho ou feminha.
E produtos como alpiste e outros ingredientes que canarinhos adoram. Mas deparei-me com a mesma loja, hoje fechada por uma grade corrediça. E, ao revés de ser a ex Tangará hoje se transformou num bar. E não mais tinha comida a dar ao meu preclaro Vitinho.
Já de volta ao meu lar doce de lidar. Num passeio controverso percebi uma porta fechada.
Era antes a oficina de trabalho de um médico grandioso. O mesmo que me trouxe tempos idos da bela Espanha para cá nesta minha Lavras amada exercer minha especialidade.
Doutor Celio de Oliveira, meu caríssimo colega. Meu professor de química num cursinho preparatório ao vestibular na capital do meu estado.
Hoje sua oficina de trabalho está de portas fechadas.
Não sei se ele ainda o visita, como médico ou paciente, seu antigo consultório.
Mas as portas da minha oficina de labuta ainda estão abertas aos caríssimos pacientes que hipotecam sua confiança em meus tantos anos de exercício da medicina.
Não sei quando irei fechar as minhas portas.
De agora há seis anos? Há dez ou vinte deles?
Ver portas cerradas me enchem de amargura e tristeza.
Caso eu tiver de morrer ou me aposentar por completo.
Por favor; alguém abra a minha porta e deixe a saudade por ela penetrar. Mansamente…