Não sei de que não a salvei. Da morte certa, pensei…

Quem ainda não percebeu, à beira de um precipício, prestes a dar cabo da vida, madrasta e tormentosa existência, uma pobre alma desesperada quase se atirando daquele penhasco, e você, pensando fazer o bem agarra a pessoa pelo braço e a impede de cometer o auto-extermínio? Só quem já passou por esta experiência imagina o que vai acontecer. Segundo minhas convicções, de um médico frontalmente a favor da prática da boa morte, quando as condições clínicas do paciente só tendem a piorar, levando-o a um quadro de inexorável sofrimento não apenas para a pessoa, que mal pode levantar um dedo, falar então, impossível, no máximo um piscar de olhos, um franzir de cenho, sinal de descontentamento com a vida, a isso se pode chamar de vida? Melhor que sobrevenha a morte, se bem que ainda não fui apresentado ao outro lado dela, se lá se pode observar a florada dos ipês, a mãe beija-flor alimentar os filhotinhos, vendo-os voarem sozinhos, sem saber o que vai acontecer ao porvir dos pássaros hiperativos.

Dependendo do caso, qual seja o ocaso, quando alguém decidiu exterminar os próprios dias na terra, lógico que esse ser humano infeliz sabe o que o espera, a não ser devido a um quadro psiquiátrico de suma gravidade, por favor, não o impeça de ser feliz, embora o átimo de insanidade que o levou a cometer aquele ato aparentemente impensado pareça intensamente tresloucado.

Parece ser uma conclusão despudorada. Deixar um ser igual a mim, a você, se matar, de vez, avoar para longe de onde a imaginação dita, é, para a maioria, não para mim, um ato falho, uma vilania.

Hoje, domingo, meados de fevereiro, mês curto, prenúncio das festas de Momo, depois de me exercitar por mais de meia hora na esteira, do belo clube onde moro, e ali penso ser feliz, não desejo de imediato tirar minha própria vida, talvez o futuro diga sim, após a corrida desatinada, vendo o suor descer do meu corpo exausto, ao subir uma escadinha camarada, donde se vêem as águas azuis de uma linda piscina, não resisti.

Depois de uma ducha refrescantemente fria atirei-me às águas límpidas daquele tanque magnífico, cuidadosamente zelado pelo encarregado da limpeza, o competente Marquinhos.

Nadei menos do que minhas forças exigiam. Gostaria de simplesmente relaxar, boiar um cadinho, andar de mansinho, sentindo no corpo cansado o afago das águas límpidas da piscina.

Antes que me preparasse para deixar aquelas águas macias entregues a elas mesmas vi uma flor, de uma árvore vizinha, não sei precisar qual o seu nome, ou espécie, não interessa aonde desejo chegar, quiçá a lugar algum, ao sentir que havia vida dentro dela, ela boiava sem saber nadar, elazinha apenas, fiz menção de retirá-la d’ água.

Faria com delicadeza essa tarefa salvadora. Não o faria bruscamente. Primeiro iria conversar com a flor recém caída, ali, sem saber precisar qual futuro a ela estava reservado.

Foi assim que aconteceu a minha conversa com a flor: “amiga, você sabe nadar? Se não, deseja em verdade se afogar? Ou simplesmente aí está contra a sua vontade, deseja, em verdade, sair da água, apesar da temperatura externa ser imensa, e na água reverbera um ótimo frescor de primavera”?

A flor de imediato não respondeu. Ficou muda, flores não falam, pelo menos pensava eu.

Mas, quando já estava para sair da piscina linda, sem desejar dali me retirar, a mesma flor soltou de dentro da sua boca amarela uma fala quase ininteligível: “por favor, meu amável senhor. Não me leve a mal. Simplesmente me deixei levar pelo vento. Ele foi tão gentil comigo, como o senhor. Quando menos esperava, quando conversava com minhas outras irmãs, flores, o tal ventinho maroto achegou-se a mim, levou-me na conversa, docemente e me fez pousar aqui, dentro da piscina onde o senhor está. Pensa que não desejo voltar a viver, nem que seja por pouco tempo, na árvore mãe que me gerou? Lógico que sim. Quem não quer”?

Deixei a piscina, pois já era quase hora do almoço, sem salvar a flor despetalada da pequena árvore onde nasceu.

Deixei-a agonizando, quase se afogando, pois aquele era o destino das flores quase moribundas, a exemplo dos enfermos sem perspectivas de viverem mais tempo em plena saúde, semimortos num leito de CTI, mercês de tubos e sondas, na intenção pura e simples de prolongar uma vida que já teve seu tempo, e ele passou.

A conversa com flor que boiava na piscina azul do condomínio foi, a meu entender, muito ilustrativa.

De fato, não se deve salvar ninguém do seu destino, em boa hora todos devemos partir, rumo ao além…

 

 

 

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