Esta expressão: “correr atrás de um sonho”, dá asas à imaginação.
Como se os sonhos tivessem asas, ou pernas, simplesmente sonhos não são pássaros, ou aviões, ou corredores de longas distâncias, como eu, e outros mais velozes que o pobre ancião, que percorre quilômetros apenas mensuráveis pelos velocímetros dos carros, que exigem gasolina para se movimentarem e nós, corredores de verdade, que nos intitulamos amantes das corridas, da atividade física, não passamos um dia sequer sem ir a tal academia, ambiente cheio de gente de bem com a vida, pele boa, fôlego em dia, ou em busca de, onde a cada fim de tarde, no meu caso, encerro as lidas de médico a partir das quatro horas, quando não aparece um paciente em busca de atenção, voltando aos sonhos, coloridos e de tons cinzentos, são como nuvens bailarinas, que se deslocam lá no alto, indo e desaparecendo com a luz do sol, ou se deixando cair sob a forma de chuva, que falta ela faz nos ares da roça, principalmente as chuvas de verão, não as chuvadonhas doidas varridas que levam tudo de aluvião, sonhos são inspirações que nos assaltam na calada da noite, aparecem ou não, se tornam realidade ou fantasia, tudo depende do sonhador, da fé que ele deposita numa força superior, sonhos muitas vezes são ilusórias quimeras, anjos bons, ou sob a forma de bruxas malvadas, que, felizmente desaparecerem das minhas mentes ainda puras, do tempo de criança que já não sou.
Confesso que tenho tido sonhos incontáveis. Muitos a seguir os nomeio, na intenção ilusória de que eles se tornem realidade.
Sonho não deixar nunca de trilhar a saga maravilhosa da medicina, carreira que elegi como minha, tantos anos fazem que até desconheça. Sonho ter saúde as pencas, para que consiga varar distâncias inimagináveis aos cidadãos comuns. Sonho, e por que não, me tornar conhecido além da minha cidade querida, ter reconhecido meu talento de escritor de crônicas, romances, tornar reportagens lidas além mar, deixar meu traço inconfundível nos jornais escritos, nada contra o veículo poderoso da internet, que mais e mais toma o lugar dos periódicos que mais e mais desaparecem das bancas de jornais. Sonho, tantos e tantos sonhos, que, caso ficasse aqui nomeando-os todos, as folhas de papel da impressora que tanta tinta pede logo terminariam, tomara que os mesmos sonhos não terminem nunca, pois desprovidos de sonhos certamente seria destituído da vida que amo tanto, assim como amo a minha família pequena, agora reforçada de mais uma pessoinha linda, que ainda não sabe falar, mas, quando for possível por certo meu neto diria: “vô, quando crescer quero ser escritor, como o senhor”! Essa singela frase, nascida da boquinha linda de meu neto Theo, seria a coroação de todos os meus sonhos, ainda não sonhados até agora.
Um sonho, em especial, tem me dado um trabalhão danado até a sua conclusão.
Já há anos vencidos tenho uma roça, um pedaço de pasto sujo, duas dúzias de vacas, dois equinos, incontáveis galinhas caipiras, não mais tenho porcos famintos, e, ali, naquele local para mim sagrado, não tem a riqueza de um resort a beira mar, ele fica na beirada de uma represa de água doce, como essa rocinha produtora de leite agora está arrendada a uma pessoa de total confiança minha, há mais ou menos dois ou três meses vejo subir, gradativamente, uma casa assobradada, olhando por cima a represa do funil.
Todos os finais de semana por ali passo. Seja a bordo da minha caminhonetinha de cor prata, uma que fica quase sempre estacionada à frente da minha casa da cidade, ou correndo que nem um louco varrido de Lavras até ali, como aconteceu neste último domingo. São mais ou menos quinze longos quilômetros até Ijaci. Mais sete em estrada de terra, bem conservada até certo ponto, depois os buracos ameaçam-na engolir, com suas valetas enormes causadas pelas enxurradas formadas pelas águas da chuva, tão perfeitas, que conseguem tintar o verde em mais verde, tornar a pastaria mais fecunda, a roça de milho, e o canavial, perfeitos para alimentar a vacada, que engorda a úberes vistos.
Foi essa corrida de média intensidade que me levou até lá, na intenção de ver, de perto, bem de pertinho, a construção da minha casa de campo, na sua segunda laje, próxima de receber a cobertura, antes o engradamento de madeira aparelhada, para, a seguir, por fim, ver as telhas chegarem, tornando a casa modesta um lugar protegido dos raios solares, fresquinho como o orvalho da manhã.
Deixei a casa do condomínio antes das sete do alvorecer. O sol já anunciava, por trás das nuvens a sua presença amarela e quente, por isso faço questão de partir bem cedo, o que não ocorreu no dia de ontem.
Antes das sete e meia já passava zunindo nas barbas da Ufla. Seriam mais dez quilômetros de asfalto quente, subindo e descendo planuras, até pegar a poeira amarela, uma estradinha de terra batida, exatamente por sete quilômetros, até, afinal, dar de pernas a minha rocinha onde está prestes, na metade, da edificação de mais um sonho rural.
Um carro vinha logo atrás. Era dirigido por meu filho advogado, a bordo a minha querida esposa, minha nora gauchinha biscuit, e sua mãe gaúcha, professora, que alguns dias passou por aqui.
Apeamos, eles de carro, eu com meu par de tênis empoeirado e sujo, ombro a ombro. Depois dos cumprimentos habituais aos novos donos da casa amarelazul, cenário do romance Madest, eu, mais uma vez gastando o par de tênis, que tossia devido a poeira, fui correndo aquele quase um quilômetro até a minha casa de sonhos, que vai, uma vez pronta, receber o nome solene de Recanto do Escritor.
Todos juntos fomos dar uns palpites sobre a construção da casa onde escreverei meus derradeiros romances.
Minha esposa amante, entendedora de casas e afins, fez várias modificações no projeto: mudou a cozinha de lugar, passou a mesma ao andar de baixo, transformou em sala de televisão e biblioteca onde deveria ser a cozinha, ficando mais uma dependência no andar , a cozinha nova desce as escadas (como ela criticou a localização da escada), e mais outros detalhes, que dispenso suas apresentações.
De volta à cidade, dessa vez de carona, no mesmo carro de apoio, perfeitamente poderia voltar nas próprias canelas duras, após tantas mudanças na fachada da casa beira lago e no seu âmago, foi que concluí, afinal, que de nada adianta correr atrás de um sonho.
Cada sonho, cada vez que pensamos nele, vem alguém que tenta modificar os sonhos sonhados, pois o meu sonho deveria ser apenas meu, ledo engano. Cada sonho, o qual pensamos ser próprio, acaba sendo dividido com pessoas que sonham diferente. Mas, como a gente não sonha só, pois sonhos solitários não se tornam reais, por que não compartilhar os sonhos com pessoas que desejam o nosso melhor, pois também sonha junto a família inteira…