Donde venho?

Hoje o vento assopra camarada. Quase não se vê o alarido do vento fustigando a janela, levantando as folhas verdes da persiana, idem tintas de verde. Se as deixássemos de folhas abertas, a persiana que ajuda a conter o ímpeto do sol, o murmúrio do vento, mesmo fracote e anemiado, levaria a maior parte das folhas de papel que se amontoam sobre o tampo da mesa, deixando-os todas perdidas, espalhadas ao léu.

Perguntando ao vento, caso soubesse entender-lhe o lamento, logo o inquiriria: “caso fosse uma destas folhas de papel, calmamente distribuídas à frente de onde escrevo, para onde me levaria”? Tomara em direção ao revés de onde venho, em direção àquela rua que me olha pelos costados, parte uníssona e integrada ao meu passado, do qual não pretendo me fazer ausente, jamais. Isso se meu desidério permitisse, sobrepujasse a minha vontade, e a minha saúde fosse capaz de me fazer ultrapassar os anos todos que viveram meus pais.

Ao olhar para aquela rua, não sei se hoje ela me reconhece, pois estou bem mais idoso de quando ali morei, nos idos anos de 1955 em diante, ainda percebo, olhos marejados de nostalgia, o quanto foram bons aqueles verdes anos, quando usava uniforme verde oliva, da mesma cor das azeitonas verdes do meu saudoso Portugal.

Foi daquela rua donde vim. Não onde nasci. Mas foi ali que cresci, não muito, em verdade. Meu passado mais longevo me remete à Boa Esperança, terra que Lamartine Babo imortalizou com a sua “Serra da Boa Esperança, esperança que encerra, no coração do Brasil um punhado de serra”…

Foi naquela rua, de tantas e tamanhas lembranças eternas, de que adianta falar em eternidade se ela nada mais é do que uma inverdade?

Foi ali mesmo, nas proximidades do velho hospital, bem defronte a um clube da mesma idade que a minha, na casa de número 152, daquela Costa Pereira a qual ignoro de quem herdou o nome, que aprendi a andar de patinete, a me equilibrar naquela bicicleta de rodinhas brancas, de saltar do trampolim carecendo pintura nova, brincar de pique- esconde nos alicerces bem firmes do restaurante onde agora se mostra a sauna, a sala dos funcionários, e outras dependências mais, que passeei pelos melhores anos de minha vida. Que hoje conta, sem descontos, com mais de sessenta e sete anos, dizem parecer menos.

Nos fundos da Costa Pereira, onde hoje é a Rua Horácio Carvalho, era um cafezal modesto. Ali brincava de esconderijo, numa moita de capim gordura, onde me escondia depois de umas travessuras, resolvidas por um castiguinho que durava pouco, assentado a uma cadeira dura, sem encosto, onde quase me desequilibrava salvo pelas mãos sábias dos meus pais.

Foi daquela rua de tantas e tantas saudades intensas, donde eu vim, nos tempos de outrora. Foi lá que aprendi que as vogais não são consoantes, mas todas juntas formam palavras, mais ou menos longas, afavelmente e habilidosamente usadas em meus tantos livros. Espero continuar a deitar palavras no meu computador quantas forem necessárias.

Donde vim, se me perguntarem, um dia, antes que parta dessa vida a qual espero ser longuíssima, aguardo ansioso, de peito carregado de esperança, foi da união que durou anos, entre meu pai e minha mãe amantíssimos. Creio que seus genes combinaram. Eles, em vida, poucas vezes pelearam. Se aconteceram foram rusguinhas tolas, logo terminadas depois de acertarem as arestas.

Espero, com o coração ávido para que assim ocorra, que estas mesmas brigas sejam também mitigadas logo entre meus filhos, entre minha esposa e eu, e continue a ser assim entre os netos que terei.

Foi donde vim, de onde irei, não sei por quantos anos mais, ou menos, não me esquecendo do que sou, do que fui, que continuarei meu périplo por essa terra linda, oferecimento de uma entidade superior, a quem chamam de Deus.

Donde vim não é mais segredo. Pra onde irei, só Ele sabe, na sua onipotência divina, embora não seja leitor da Bíblia, devido ao fato de não compreendê-la em sua plenitude maior.

Olhando pela janela do sétimo andar onde escrevo, e exerço a medicina com o mesmo pendor de antes, imagino donde vim. Foi da Rua Costa Pereira, da união entre meus pais, agora ausentes, apenas seus retratos me contemplam. Eles, seus espíritos, talvez, sou ignorante na arte espírita, não crente na vida após a morte, redescubro, com o âmago recheado de lembranças ternas, que foi dali donde vim, graças aos genes fecundos e amados dos meus pais, que, se desapareceram um dia, triste efeméride, das minhas reminiscências não desaparecerão jamais…

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