O que fazer,quando a vida não lhe sorrir?

Nem todos os dias são sempre os mesmos. Uns sorriem em sua direção. Já outros nem lhes acenam os rabinhos cotós, quando você, descendo a rua, bem cedo, nesta segunda-feira risonha, quando seus pés passam por poças de águas límpidas, ali deixadas pela chuva de ontem, antevendo o dia amanhecer lindo, pobres infelizes daqueles amantes da cama, sem ter uma amante por perto, para com ela fazer amor, e acorda quase à hora do almoço, quando já se foi metade do dia, só lhe restando a tarde, sobrevém a noite, de novo reaparece a luz da madrugada, janelas ainda fechadas, bandeiras largas, venezianas cerradas à entrada da luz do sol, que ele entre em saraivadas carregando com ele a felicidade, tão em falta nos dias de hoje, tornando os lares depressivos, simplesmente por não compreenderem que luminosidade é sumamente importante, toma-se como exemplo cidades da Noruega, país de excelente qualidade de vida onde ainda são altos os índices de suicídios, fato este comprovado pela falta de luz natural dos dias que são, no período de inverno taciturnos demais, frios ao extremo, só permitindo a vida em ambientes fechados, cada um ensimesmado em seus próprios problemas, atolados até o pescoço em pensamentos insalubres, cada um pior que o outro.

Assim acontece com a gente, dotada de sensibilidade maiúscula, que consegue antever na pele exposta ao vento as inclemências do tempo, se frio em demasia ou calor em que faz o suor brotar por nossos poros, pessoas, de sexo considerado forte que ainda conseguem chorar, sentir no âmago a infelicidade, dos outros, dos quais pouco se tem, a saber, mal os conhecemos na intimidade, e se por eles não nutrimos pura amizade, mesmo assim sentimos como eles próprios as angústias que escorrem de suas almas sofredoras. Carentes não apenas de afeto, como também de amor de verdade.

Todos nós, bem aquinhoados pela sorte, ricos e endinheirados, pobres e maltrapilhos, um ou outro somos reféns dos mesmos genes. De alguma forma ou de outra sofremos na mesma intensidade. Só eu uns demonstram, seja pelo choro derramado, pela tristeza que lhe toma conta o lado de dentro, nos tornamos farinha do mesmo saco, quando o assunto é a falta de insumos básicos para encher a despensa de felicidade. Não de arroz de boa qualidade, de feijão preto quando o exterior de mostra negro, de carne bovina, iguaria mais em falta nas mesas da classe pobre, e por que não na remediada?

Todos, em escala maior e de menor intensidade, somos reféns do mesmo barco à deriva. Uma nau agitada perigosamente num mar revolto, quase soçobrando mercê das ondas caudalosas do oceano, montanha de água que toma conta da maior superfície do planeta, onde tantos e tantos habitantes sofrem a escassez de alimentos, enquanto em outras mesas não faltam nada, apenas a compreensão se torna mal dividida. O pai, assentado a cabeceira da mesa enorme, mal tem tempo para o diálogo com os demais familiares que com ele deveriam dividir não apenas a qualidade de uma boa refeição, assim como a alegria de estarem unidos no entorno da mesma mesa farta, quando em muitas faltam de tudo um pouco, o mais importante que está em falta não se consegue comprar nas gôndolas dos supermercados, e sim no acordo tácito de viverem bem, de sorrirem uns aos outros, deixarem os problemas que todos têm na gaveta sem chave do criado mudo, depois de não se preocuparem em encontrá-la no olvido necessário do esquecimento. A mesa de refeição é lugar sagrado, como a igreja na qual nos sintamos a vontade, para orar a alguma divindade, aquela que nos merece o crédito.

Todos devem deixar guardadas as discussões acaloradas, para retomar a rédea delas em ambientes mais tranquilos, num rancho beira-lago, ou numa roça sossegada tomando por empréstimo o murmúrio do silêncio, a ver a vacada pastar, ruminando bucolicamente o que fazer para elas darem mais leite, encher o balde daquele líquido branco e espumoso, quentinho, de menos valia que o conteúdo de uma garrafinha de cerveja eu todos pagam prazerosamente no bar da esquina, sem regatear o preço cobrado.

Quantas e quantas incontáveis vezes tentei transformar o mundo estressado das cidades em sentimentos outros, mais felizes bem humorados. Quantas e quantas vezes distribuí bons dias a desconhecidos, mesmo que do outro lado ano tenha ouvido as mesmas observações bem humoradas dos passantes que comigo se cruzam nas idas e vindas, subindo ou descendo pelos passeios lotados. Foram tantas e tantas que nem me recordo quantas. Não faço questão de anotar em minha agenda anotações deste tipo. Os que me cumprimentam com alegria, Deus os tenha ao lado Dele. Os que não, ignoro-lhes as presenças não gratas. E não os quero mal.

Sei que cada dia é distinto do outro. Assim como sei que nem todas as segundas são piores que as terças, deixando as quartas de lado, entrando desconfiado pelas quintas, passando pelas sextas, até chegar aos fins de semana, todos os dias são iguais. A diferença entre eles vai depender da gente, da forma como encarar os tropeços, os deslizes nos passeios, o sucesso que faremos na nossa vida diuturna, sejam nos dias de semana, fossem nos sábados e feriados.

Hoje mesmo, ao descer a rua, de cima abaixo, quase madrugada alta, céu escuro, levando um guarda-chuva de prontidão, ao passar perto de um colégio, hoje já se percebem alunos adentrando-lhe o portão, sorri para uma dezena deles. Grande parte, creio que a maioria, não sorriu em minha direção. Dei um desconto devido ao fato de os estudantes estarem preocupados com o começo do ano letivo. Quantas novidades irão encontrar: professoras novas, novo bedel, matérias desconhecidas, etc. e tal.

Antes da sete da manhã, desta segunda-feira, bem no começo de fevereiro, ao tentar cumprimentar alunos daquela escola estadual, notei que muitos deles não sorriram para mim. Mas, bulidor que sou, uma criança que ainda mora dentro de mim, mesmo assim retribuí a eles o sorriso que não partiu na direção contrária. Acabei sendo feliz a minha maneira, da mesma forma brejeira, que os anos ainda dizem ser capaz.

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