Hoje mesmo, ao deixar a casa em direção ao trabalho, antes das sete da manhã, naquela mesma pracinha enjeitada, carente de afeto e cuidados, avistei, de relance, um galho ainda com folhas verdes debruçado por sobre a grama podada de pouco. Por certo algum jardineiro, que amava o verde das folhas, o colorido obsequioso das flores, ao podar uma arvorezinha plantada na mesma praça, com certeza um passarinho ali depositou a semente, sonho meu, deixou o galho cortado rente do tronco caído, a espera de alguém que se apiedasse dele e o inserisse de novo a terra, na intenção de que aquele galho quase morto novamente desse lugar a uma árvore como a mãe que o gerou, não naquela pracinha enjeitada, e sim noutro espaço mais recheado de afeto e cuidados, onde não nascessem ervas daninhas e pragas a exemplo daquele por onde sempre passo. E, sempre que por ali passo, cães vadios, pessoas deseducadas, amarram cavalos e éguas à sombra de um ipê, recém despetalado de suas lindas flores amarelas em começo de julho, indo até meados de agosto, o mais tardar setembro findo.
Ao deixar aquele galho caído na relva podada de pouco daquela pracinha nas barbas do condomínio onde moro, ao pressentir, dentro das suas forças exíguas, quase um galho morto, seco, sem futuro, a não ser dentro de uma fogueira de um São João longe de acontecer, foi que me veio ao peito alguma semelhança entre nós dois.
Eu, um senhor, maduro, ainda sem se sentir ancião, longe de mim ser decrépito e provecto homem, pois ainda pretendo assistir ao casamento do meu primeiro neto, o lindo garoto, de apenas seis meses, o Theo, ao nascimento dos filhinhos do Theo, e de outros netinhos que Deus e meu outro filho vão me dar de presente, se um dia alguém me podar como acontecido àquele galho abandonado, na tal pracinha de que tanto falo, com certeza não vicejarei.
Mas para que tal não ocorra mister se faz que me podem bem no talo. Pois, se me cortarem, deixando apenas um brotinho, uma réstia de mim, uma letrinha apenas de uma das minhas crônicas, não são poemas, de novo vou me revigorar. Não digo que vou atingir o céu, de brigadeiro, como o de hoje. Talvez esse seja o mesmo céu onde meus pais estão, no mesmo espaço etéreo, azul, sem nuvens brancas, sem indícios de chuva no alto.
Já este galho, ainda de folhas verdes, logo estarão secas, salvo se uma chuva mansa sobre ele cair, a exemplo do acontecido comigo, como disse no parágrafo anterior, caso alguma alma caridosa apanhar aquele galho quase seco da relva verde onde ele jaz, e o levar a uma praça mais bem cuidada, não sei se ele sobreviverá.
No meu caso, se um dos meus membros, uma das minhas pernas, que uso tanto nas minhas corridas loucas, for amputada rente, e for condenado a não mais andar, nem uma caminhadinha serena, a bordo do mar, ah!, não sei no que vai dar. Por certo, um dos cotos restantes da amputação feita por mãos de quem entende de gente, mesmo que indigente, não de galhos mortos, ou quase, vai reverberar um som quase inaudível, de rico lirismo, um queixume baixo, um assovio, quase um murmúrio vindo do fundo da minhalma triste, como triste deve estar a árvore daquela pracinha desgraciosa, da qual foi podado o galho, que em pouco morrerá. Caso alguém não o plantar, com dedos carinhosos, em uma terra adubada e fofa, como o coração da mãe, prestes a embalar o primeiro filho oriundo de um amor fecundo, como fecunda é a terra brasilis, onde em se plantando, tudo dá.
Eu e aquele galho seco, de folhas verdes ainda, recém deixado a morrer na grama daquela pracinha tacanha, onde apenas algumas árvores vicejam, entre elas dois ipês amarelos, dois coqueiros, um ao lado do outro, prontos a sustentarem uma rede preguiçosa a balançar, se não somos a mesma pessoa, que heresia me comparar a um naco de árvore!, sou feito de carne e sentimento, com quase nenhum ressentimento ou sentimentos menores, sou um ancião com a alma de menino, que ao invés de me consultar com um geriatra marquei consulta com um pediatra e ele não me encaminhou ao colega do lado, um médico especialista em doenças mentais, a tal especialidade que não cura, tal e qual a saracura, que se esconde tímida no açude quase seco, não fora a chuva que trasanteontem caiu, fazendo sorrir o fundo ressequido dos manguezais.
Eu e aquele galho seco, quase morto, se não somos iguais, experimentem me privar dos meus escritos, aí, indubitavelmente de nada adiantaria me replantar novamente em terra boa, regar-me criteriosamente, fertilizando o solo onde fui de novo inserido a terra, eu fatalmente sucumbiria, como vai acontecer com aquele galho seco, retirado sem critério, por quem não sabe que a poda se torna necessária em momentos cruciais de nossa vida terrena, que deve ser plena de poesia, não apenas preenchida de numerais.
Aquele galho seco morreu. Noutro dia perto de quando o podaram. No meu caso morrerei eu, se me podarem a inspiração que transborda de dentro de mim em caudalosa enchente rica e graciosa, qual chuva de verão…