O que fazer ou falar frente a notícias desse vulto?

Quem ainda, em sua faixa de idade, principalmente quando a criança na gente deixou marcas, ficando pra trás a infância, não foi pego de repente por uma notícia alarmante? Que o fez ficar de olhos apatetados, sentidos em alerta, em retumbante sobressalto?

Sei que a vida insere, em seu percurso, notícias boas entre as ruins. Sei que todos nós devemos estar preparados para enfrentar qualquer uma delas, vindas de onde vierem. Talvez pensando sob esse prisma, navegando em mares revoltos e tranquilos, essa transição, por vezes brusca, é que dá sentido à vida. Que seria insustentável não fossem as mudanças.

Ainda sei que o cotidiano sempre igual torna-se insuportável. Como ainda sei que viver a cada dia fazendo a mesma coisa, tomar o café da manhã na mesma padaria, transitar pela mesma calçada, vestir a mesma roupa lavada na semana passada, pisar, quando descuidado, na mesma caca de cachorro de um dono mal educado, que não levou a sacolinha para recolher os dejetos, dormir na cama arrumada com o mesmo lençol quente, quando em pleno verão, e por tantos caminhos iguais ir andando, lenta ou sofregamente, sempre ao mesmo lugar, sem tentar impor novas cores ao arco-íris, embora sabendo ser esta uma tarefa impossível.

De quando em vez sofro um impacto, mais leve ou profundo, quando, ao telefone andejo ou ao outro, fixo, vem do outro lado da linha uma alarmante novidade.

Melhor quando quem nos liga diz, com voz amanhecida: “Sabe, o carro que o senhor comprou, ainda novo em folha, aquele que foi emprestado a um amigo, da onça, bem sabido, foi roubado por gente da pesada, e foi todo depenado numa oficina de desmanche, e não vale a pena receber de volta aquela lataria velha”.

Nessa situação inusitada, perfeitamente exequível, a gente apenas sofre um cadinho, mas logo se refaz da notícia ingrata.

Na madrugada de hoje, dia 27 de janeiro, não sei bem a hora do acontecido, nem ao menos detalhes enfeitados com minudências sobre o infausto ocorrido, quando o celular da minha esposa tilintou, quase na cabeceira da cama onde passo poucas horas da noite, já disse ter receio dela, considero um desperdício ficar sujeito a escuridão quase oito horas no descanso, que dizem os especialistas ser importante, e fomos reféns de uma infeliz e triste novidade.

Ele foi meu colega no curso ginasial, e parte do científico. Depois nos apartamos, a vida nos conduziu cada um pro seu lado.

Eu segui a carreira de médico. Ele mais um profissional ligado à terra mãe.

Não fomos muito ligados por laços estreitos de amizade, como meus dois colegas do mesmo colégio verde e branco, ambos já viraram estrelinhas que enfeitam com suas luzes piscantes o firmamento no céu escuro das noites que me encantam na primavera. O Januário e o Gibinha, entre os quais tenho guardada uma fotografia colorida, nas proximidades do Gammon, naquela mesma praça defronte a ele, eram mais íntimos, nos bons tempos da juventude, jovens que nos sentíamos.

Enquanto a pessoa, sobre a qual deixo aqui, neste texto recém saído da minha estupefação dada a notícia que me chocou profundamente, depois, anos passados, a juventude virou senilidade, ou quase, a vida nos juntou em outra pauta. Ambos, ele e eu, apreciávamos escrever. Eu, cronicar, ele poetar.

Ainda me lembro dos seus versos curtos, intimistas, de real valor literário.

O prazer em lidar com os animais da roça, as vacas que ele tanto leiloou, muitas dele adquiri, um sítio, bem perto ao meu, eram coisas que nos aproximavam, em lados opostos da profissão. Ele entendia de gado, eu fazia de conta que sabia que da vaca preta, por que saía das suas tetas um leite branquinho e espumante? Até agora não sei.

De quando em vez eu passava por ele, perto da sua casa. Bem no centro da cidade, nos fundos de uma drogaria, onde foi a loja do seu sogro, um turco de sorriso fácil, mestre na arte de comerciar. Agora ele morava lá (sua alma ainda vagueia sonambulando sonhos antigos), onde uma vez entrei, nós dois, quando ele me inseriu na arte das velharias, que gosto para aquelas tranqueiras de alto custo!, muitas ele mesmo restaurava, dando novo brilho a coisas velhas, objeto dos seus leilões. Meu amigo trocou as vacas pelas antiguidades, que ainda hoje ficam expostas nos vários cômodos da sua residência.

Num dia perto, ao passar por ele, acompanhado por minha doce Rosa, quando tentei ler uma das minhas crônicas para ele, notei um dedal de preocupação ensombrear-lhe a face sempre aberta a um sorriso fácil. Ele me pediu que o fizesse de outra vez. Demonstrou preocupação com uma cirurgia que iria fazer em tempos perto. Acedi ao seu pedido. Deixei para outra vez, o que não vai acontecer.

Hoje, plena madrugada, eu já estava como coruja, a espreitar a caça, por cima do cupim morto. Foi quando o celular tilintou. Foi minha esposa quem recebeu a péssima notícia. Eberth Marcos Alvarenga Costa Junior havia falecido, no pós- operatório da cirurgia que o preocupava tanto.

Meu colega, amigo, que comigo dividiu o prazer de escrever, o amor que sentia pelos animais, principalmente as vacas e seus afins, eu não lhe apreciava o gosto pelas antiguidades, prefiro as novidades, não as notícias tristes como foi a recebida na manhã bem cedo de hoje, faleceu prematuramente, na capital do meu estado, creio aos sessenta e sete, depois de uma tentativa malograda de amainar as dores no intestino, a tal diverticulite que tantas e tantas vitimas faz entre quem sofre desse mal, me fez ir fundo, ao fundo da minhalma, ao título que encima este texto.

O que fazer, ou falar, em ocasiões desse porte? Simplesmente o que fiz – chorar.

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