Hoje cedo, ao descer a rua como diuturnamente faço, seis horas passados trinta minutos, nessa manhã radiosa quando o sol brilha forte, prometendo um meio dia e um entardecer de muito calor,vi, atado a parede de fora de uma loja que comercializa produtos direcionados ao produtor rural, de propriedade de um casal extremamente amistoso, gente da prateleira superior, um anúncio singelo onde se via a fotografia de um cãozinho branquinho, destes bem peludinhos, ou seria uma cadelinha?, com os seguintes dizeres na linha de baixo: “Procura-se”.
Na hora não parei para saber de quem seria o tal espécie de canídeo. Qual o seu nome, identidade, a quem procurar, caso ele, ou ela, fosse encontrado, ou se quem o (a) encontrou receberia um prêmio pela devolução do lindo animalzinho, que por certo estaria fazendo falta a alguma casa que hoje chora a perda de um ente querido. Muitos consideram cães os melhores amigos do homem. Mas torço as orelhas de má vontade ao ver os excessos cometidos por muitas madames, ao despender somas enormes com seus pets, quando tantas e tantas crianças sofrem na pele queimada pelo sol, mercês de maus tratos, abandono, fome e doenças que deveriam ser riscadas do rol das enfermidades que ainda assolam nosso país, exemplo a não ser seguido devido às gritantes diferenças entre as classes sociais. Desculpem-me o desabafo!
Foi a palavra “procura” que me ensejou a digitar este escrito de hoje cedo. Deixei meu lar sem saber sobre o que colocar no papel, já que as consultas só começam a aparecer depois das sete da manhã. Quando aparecem.
Há tempos tenho estado à procura, de tantas e tantas coisas, que, confesso – perdi a conta de quantas são.
A primeira procura recai sobre quem sou eu?
Se seria ainda um médico especialista em Urologia, que aqui aportou vindo da Espanha fumando cachimbo, não sei tragar, ficando mais de vinte anos operando solitário, sem a anuência ou ajuda de um colega de farda, e não aprendeu a trabalhar em equipe, equívoco cruel, o qual só mais tarde vim a compreender o quanto fui errado, ou se o urologista, ainda praticante, cedeu espaço ao escritor, ou ao atleta corredor, ou ao pensador, ao poliglota viajante, ao amante da minha mulher, ao apaixonado pela família, sobremodo pelo primeiro neto que vim a conhecer quase seis meses antes, a um memorialista confesso, apaixonado pelo passado, a Rua Costa Pereira me olha com olhos nostálgicos, bem perto de onde exerço minha dupla militância, ou outra identidade mais, que de momento me olvido.
Bem sei que estou a procura de algum remédio que me faça deitar, encostar-me ao travesseiro, me desligue de tudo, por inteiro, consiga dormir pelo menos seis horas, e não consigo, pois, como afirmei, num texto recente, tenho receio, quase pavor, das noites escuras, mal dormidas, sobremodo no calor de verão, do qual somos reféns no tempo de agora.
Sei que estou a procura do menino que morava dentro de mim. Onde andará aquele rapazinho lourinho, que quase perdeu a fimose, quando peladinho dava de comer às galinhas, num quintal mostrado numa fotografia em preto e branco, quando ainda morava em Boa Esperança? Será que aquele menino morreu? Não acredito.
Estou também na busca de um paradeiro para a minha insanidade. Sei que é quase impossível separar o joio do trigo. Ou, dizendo melhor, qual seria o limite entre a loucura e sanidade? Confesso, embora desdenhe da psiquiatria, nem sequer imagino. Se escrever tanto assim, se desdenhar da velhice, fazendo de conta que ela não existe, se me imiscuir dentro de tantas línguas, hoje são seis, fora o português, pelo qual me arrasto, é sinal de louquice, que me tranquem dentro de um hospício.
Estou ainda em busca de onde mora a tal felicidade. Sei que ela não habita dentro de um palácio, muito menos em castelos cercados por um fosso profundo, cheio de piranhas e crocodilos famintos. E qual seria a cor da felicidade? Por certo, penso, lucubro, ela deve ser tinta de uma cor bem clarinha, ou branca, ou amarelo canário, ou da azulice do céu de brigadeiro como hoje, de manhã, se pinta. Talvez ela se esconda, ou se mostre, na singeleza do singelo, numa casinha tosca, pintada de amarelo.
A minha procura continua. Em busca de mim mesmo. Tenho receio de que não me encontre nas minhas viagens ao estrangeiro. Pois, em verdade, sou mais um brasileiro, feliz, por viver aqui, embora ciente de tantos e tantos e tantos problemas que nos afligem tanto. E sem solução aparente.
A procura de minha verdadeira e real identidade tem me martirizado um cadinho.
Gostaria, não sei quando conseguirei, amainar o meu desassossego. Nesse dia feliz, nesta minha bipolaridade manifesta, em meus altos e baixios, prefiro a fase up, quando sou feliz, e não consigo deixar a minha felicidade contida apenas dentro de mim. Quando estou em down, fico ensimesmado, quieto, evito as conversas indigestas, e quem as aprecia?
Nestas nuanças todas dos meus repentes de insanidade explícita, deixo aqui uma explicação, se não convincente, que pelo menos saibam que não se trata de invencionice do idoso que teimo em não ser, do jovem entre os quais me sinto a vontade, entre os meninos artiosos que deixam crescer galos na testa, depois de uma queda do patinete, ou da bicicletinha de rodinha recém retirada.
A busca incansável na qual me encontro, procurando tudo, por vezes nada, sei que não vai me levar a lugar algum.
E se não levar, sei lá. O fato é que vou continuar a procurar, até a morte me achar, de vez…