“Tudo sobe. Menos isso”

Não pairam dúvidas que a carestia tem nos incomodado.

Sobe o preço do feijão. Na contramão desce alguns degraus nosso ganho mensal.

Vai às alturas o valor cobrado pelos alugueis. E no sentido inverso decresce nosso salário cada vez mais ridículo.

Não se pode ver mais o quanto se paga por uma noitada num hotelzinho de nenhuma estrela. E não se pode chegar as estrelas nem de carona num foguete feito por um tal de não sei o que Musk. Um mais que biliardário que tem na sua conta bancária uma soma inimaginária. Que nós, vis mortais, nunca teremos nem em sonhos nossos.

Sobe o preço dos combustíveis. A gasolina, o óleo diesel, o álcool feito de cana purinha, pouco a um cadinho nos faz pensar em andar a pé.   E nossos tênis furam na sola. E nada nos consola e temos de esconder o chulé.

Vai subindo o preço da comida. Ou se passa fome ou se pede esmola.

Sobe o valor da pinga boa. O que vai fazer o Zé? De boteco em botequim ele vai indo tomando todas mesmo assim.

Vai a estratosfera o que se cobra por uma noite de amor com a tal fulana das pernas grossas. Se não tem como pagar contente-se com a de pernas finas.

Sobe o valor que se dá aos que se dizem influenciadores digitais. E na mesma desordem são desvalorizados os que tem de verdade valor.

Doam-se importâncias indevidas as tai campanhas orquestradas pela poderosa rede globo. Quando se deveria ajudar aqueles que precisam realmente e estão aqui mesmo. Pertinho do nosso nariz.

Sobe quase tudo. Mas aquilo que realmente precisa subir fracassa na hora que mais precisamos.

Assim me foi dito por um compadre. Velho amigo, de nome Tertuliano.

Dividimos cercas. Mourões compartilhamos.

De vez em quando uma de suas vacas foge pro meu lado. Não me importo. Logo ele aparece e vem buscar a extraviada.

Ele já tem mais idade. Já deixou a mocidade e de pouco viu a velhice buzinar em sua porteira.

Seu Tertuliano vive solitário numa rocinha erma. Enviuvou recentemente.

Ainda rijo como cerne da amoreira não recusa trabalho. Tira leite de suas vaquinhas tatu com cobra mansa. Planta uma rocinha de milho. Uma linda horta de couve se pode ver aos fundos de sua morada.

Não se queixa da vida. “Ela pra mim tem de ser vivida e sorvida de um só gole. Cuidado para não se engasgar”. Diz ele.

De vez em quando lhe faço uma visita. Na semana passada assim o fiz.

Encontrei o velho amigo meio descrente da vida. Não era de seu costume. Seu Tertuliano sempre ria da própria desgraça.

Ainda me lembro de quando ele quebrou a perna direita. Manquitola ele usava uma muleta. Mesmo assim não se queixava. “Ah! Quando tinha as duas perfeitinhas andava do mesmo jeito. Agora que só me resta umazinha não me desequilibro. Fico desequilibrado sim quando não posso trabalhar”.

Naquela tarde, quase noite escurecendo. Quando cheguei a sua casa. Deparei-me com uma cena inusitada.

Seu Tertuliano, já vestido pra dormir, cochilava no rabo do fogão a lenha.

Nunca o vi tão amuado.  Parecia que o mundo se montava as suas costas.

Ele nunquinha havia reclamado da carestia. Sua despensa sempre se mostrava farta.

Se faltasse arroz ele supria a falta com angu. Se sobrasse angu ele daria aos porcos.

Um capadão engordava no chiqueiro. A ser abatido no natal.

Naquela tarde, quase noite, durante nossa prosa boa. Falamos da subida dos preços. Da alta da comida, dos insumos agrícolas. Até mesmo da falta de vergonha que campeia por ai.

Foi quando ele, num desabado suspirado. Ele assim me queixou.

“Doutor Paulo. Sei que vosmecê é especialista em coisas que não sobem mais. Semana passada tive um causo. Uma linda rameira aqui compareceu toda fogosa. E eu, na hora que mais precisava fazer subir meu apetrecho ele desceu. Tudo sobe nessa vida. Só ele que não.”

Não sei qual medicamente a ele prescrevi. Não sei se deu certo a subida. Não voltei pra ver.

 

 

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