Quantas e quantas vezes, na minha infância perdida, via um brinquedo feito em cacos. E desolado pedia ao meu pai que consertasse o estrago.
E ele logo acorria em meu socorro. E, graças a uma cola milagrosa o tal carrinho de bombeiro, quase novinho, presente do meu avozinho no meu aniversário em sete de dezembro celebrado. Fazia cinco anos quando vim morar aqui. O carrinho reluzia de novo.
Foram consertados novos brinquedos de ai em diante.
Ainda me lembro, saudades se esvaem que nem fumaça depois de uma queimada que sapecou tudo ao derredor. Quando, numa brincadeira inocente. A minha bicicletinha de rodinhas cor de rosa se espatifou numa queda sem maiores consequências a não ser ralar meu joelho e deixar escrito na minha testa ancha um galo enorme. Que se desfez graças a uma colher gelada que minha mãezinha nela depositou. Essa bicicletinha logo foi remendada. Consertada de pronto por um amigo de dantes que o céu levou.
Os consertos continuaram vida afora. Não mais de brinquedos quebrados Pois eles mudaram com o escorrer dos anos.
Já jovenzinho feito. Sonhos por serem concretizados. Tive de consertar meu rumo. Pois ainda desconhecia qual rumo tomar. Foi quando me decidi pela medicina. Sem influências de terceiros enveredei-me pela arte de tentar curar. Já no primeiro ano de exercício da minha profissão. Ainda sem saber usar com maestria o fio do bisturi. Tentava e retentava consertar rins cheios de pedras. Muitas pedras se interpuseram no meu caminho. E eu as retirava dos rins enfermos. Mas muitos rins não tinham consertos. Tiveram de ser retirados, pois sabia que o segundo daria conta do recado.
Já na maior idade consertei muitos pacientes aqui na minha oficina de trabalho. Muitos deles em reconhecem pelas ruas e me agradecem o remendo feito. Outros pensam que já estou jubilado.
Tenho, na minha vida depois de muitos anos. Tentado consertar corações despedaçados. Mas se nem o meu consigo? Como não deixar amigos felizes se eles vem a mim na tentativa inglória de de novo manter a ereção; frustrada numa relação que terminou bem antes de começar. Esse conserto requer muita conversa e explicações devidas. E o conserto pode advir graças a um remediinho de cor azul que faz milagres em pintos que se recusam a levantar.
Tenho pelo menos tentado consertar indivíduos de mais idade quando a urina não sai como deveria. O conserto passa por um diagnóstico bem feito. Quando a doença é de natureza benigna se torna mais fácil de consertar.
Ontem mesmo se deu uma dúvida se o tal conserto seria fácil de ser feito ou o revés.
Estava malhando numa academia como de rotina faço. Era por volta das cinco da tarde. Ou mais horas.
Corria numa esteira observando do alto o movimento. Ao meu lado corria uma moça linda de curvas sinuosas. Seu traseiro arrebitado parecia ter sido inspirado numa melancia de muitos quilos de gostosura. Logo abaixo, numa bicicleta que não se move. Estava outra linda garota escutando, no seu foninho de ouvido, uma música a qual não pude identificar. Talvez fosse um concerto com c não s de uma orquestra afinadíssima.
Passou ao meu lado um jovem parrudo. Músculos em evidência e cérebro atrofiado pelo uso de adjuvantes esteróides.
Quando me preparava para deixar a esteira parar. Ela já estava cansada da correria. Uma hora inteira estava montado nela. Entrou academia adentro uma mulher acima do peso.
Pelos meus olhos, sem balança, ela deveria pesar quase duzentos quilogramas. Isso sem contar as pernas. A cara rechonchuda e a bunda despencada. Ela era graciosa embora o peso excessivo. Entrou trazendo pela mão o personal próprio. Um rapaz moreno de físico apolíneo.
Ambos me pareceram velhos amigos. Ela sorria enquanto ele descia calado. Ela muito bem nutrida conquanto ele devesse se alimentar melhor.
Acabei medindo sua presumível altura. Ela deveria ter mais de largura que propriamente de altura. Um metro e meio de cada lado da cintura. E outro tanto da cabeça aos pés.
Ela malhava incessantemente. Ele, seu personal, tentava reduzir-lhe o peso. Era um conserto que iria requerer anos luz de exercício constante.
Mesmo assim ele insistia em consertar aquilo que a natureza não deu jeito.
Ao final de algumas horas de malhação interminável eles deixaram a academia.
Mais uma vez uma dúvida me tomou de assalto. Sem armas em punho, bom que se diga.
Já foi consertada minha bicicletinha de rodinhas cor de rosa. Meu carrinho de bombeiro quebrado da mesma maneira foi colado de novo,
Mas aquilo, que ontem entrou na academia. Aquela mulher que faz a balança fugir às carreiras. Teria conserto?
Tenho dúvidas. Com muito esforço e dedicação. Com muitas e muitas horas de malhação e uma visita ao bisturi de um bom cirurgião plástico, quem sabe?
Tudo tem conserto na vida. Até um coração em pedaços.