Já passamos por dias melhores

Antes, tempos perdidos nas lembranças, quando ainda criança, doce infância, saudades avoam.

Não precisava pedir que a chuva caísse. Pois ela vinha no tempo certo. De outubro, varando novembro, adentrando dezembro, podíamos subir nos pés de jabuticaba. E mesmo nos galhos mais baixos nos deliciávamos com aquelas pretinhas. Docinhas como beijos de nossas avozinhas. Disputando as mais graúdas com marimbondos abelhudos. E nem ligávamos às ferroadas que por ventura tentassem atrapalhar nossas aventuras. Já que as férias de final de ano apenas começavam.

Como eram bons aqueles verdes anos. A gente, meninos artiosos, temerosos das reprimendas de nossos pais. Ao chegar a hora exata entrávamos porta adentro sem atraso. Pois sabíamos que por detrás daquela porta se escondia uma vara de marmelo prontinha a ser usada. E ai da gente, se caso depois da aula o nosso boletim não mostrasse notas acima de sete. Um castigo solenemente nos esperava. Um banquinho bem manjado era onde permanecíamos horas a fio. Sem podermos assistir ao desenho animado da Olivia Magricela, ficante do fortão Popeye.

Já se foram dias melhores. Ainda não existiam celulares, coisas e loisas desse tipo. A gente cabulava aula. E na hora do recreio disputávamos aguerridas peladas de futebol não tanto desvestidos como se vêem nos dias de hoje. As prosas na porta de casa eram comuns olhando uns na cara de outros. Saudades de antão.

Já se foram dias melhores. Quando, se por ventura faltasse água recorríamos a um corguinho que passava nas vizinhanças. Era ali mesmo que lambarizinhos de rabinhos vermelhos faziam-nos a festa na pescaria. Uma fritada era o nosso almoço que ainda sobrava para a janta.

Já se perderam nos anos aqueles dias amenos em que a temperatura oscilava entre alguns graus apenas. No verão ela subia no máximo aos vinte e alguns degraus.  No frio do inverno ai sim. Tínhamos de nos agasalhar com cobertores felpudos e mesmo assim tiritávamos de frio.

Já se foi o tempo do verdadeiro entendimento entre quem tem valor e quem não o tem. Agora endeusam-se falsos ícones. Em detrimento de verdadeiros heróis que não exibem seguidores nas redes sociais.

Já se perderam nos anos o costume apetitoso das visitas domiciliares. Agora se alguém bate a nossa porta deve ser algum cobrador mostrando a conta atrasada da padaria da esquina.

Já se foram os anos bons em que a gente colecionava amigos confiáveis. Agora eles andam sumidos. E se tornam amigos apenas nas redes sociais.

Já passamos por dias melhores. Agora eles escasseiam cada vez mais.

Antes se valorizava gente de conduta ilibada. Agora qualquer um pode se candidatar. Desde que se filie a uma sigla partidária. E tenha a desfaçatez de prometer fazer chover quando o céu se mostra de uma azulice profunda.

Já passamos por dias melhores. Antes a TV, em preto e branco, se mostrasse noticias ruins podíamos mudar de canal. Agora de nada adianta recorrermos ao controle remoto. Em qualquer emissora se passa o mesmo. Numa mesmice só.

Já se foram no tempo dias melhores. Agora se melhorar piora. Os preços estão nas alturas. O salário fecha os olhos na primeira semana do mês. A ética foi pro brejo da desesperança morta. Dá-se valor a quem tem chuteira e vive alardeando feitos imperfeitos nessa nossa mídia permissiva que só exalta caras bonitas e bundas redondinhas fabricadas em clinicas de fachada duvidosa.

Ai que saudades dos tempos de outrora. Quem sabe em outra hora consiga fazer uma reviravolta nos anos? Um dia conseguirei. Se conseguir pego carona na cauda de um cometa e saio por aí cometendo loucuras. Quem sabe levo algum de vocês…

 

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