Amigos para sempre

Hoje, a mesma hora de sempre, ao chegar aqui, na minha oficina de trabalho.

Onde me refugio bem cedo nas madrugadas. Isolado neste meu sétimo andar. Tendo por companhia apenas os peixinhos do meu aquário. Como de rotina sequiosos de receberem a sua pitadinha de ração. Eles nem me agradecem. E nadam até a superfície. Boquinhas famintas e batem as suas nadadeiras novamente ao fundo. Parece-me que agora eles se mostram satisfeitos. E esperam o cair das noites para fechar os olhinhos. Não sei se peixinhos dormem. Se assim acontecesse talvez eles não iriam ver o despertar de uma nova manhã.

Aqui, nas imediações do meu prédio. Como de vezes anteriores percebi um vulto estendido no chão. Era um sem teto dormindo como uma criança. Ao seu lado um cãozinho, desses viralatinhas, velava seu sono. Elezinho me olhou com olhos de verdadeira amizade. Amigos cães me ensejam amizades sinceras. Até que a morte os separe podemos contar com eles. Existem cães que quando seus donos fecham os olhos pra sempre não se desgrudam de seus túmulos. E ali permanecem até seus derradeiros latidos.

Amizades de verdade não se limitam à vida que a gente leva. Creio que elas duram pra sempre. Até mesmo em outra vida elas perduram.

Amigos de fato são poucos.

Aqueles que com a gente compartilha bons e maus momentos.  Não se desgrudam de nós quando mais precisamos. E nos oferecem seu ombro amigo como escoras no final de nossas vidas.

Sou testemunha de uma amizade verdadeira.

Dois amigos que se frequentam quase uma vida inteira.

Eles são meus vizinhos de roça.

O primeiro mais jovem. O amigo mais idoso nos dias de hoje conta com quase oitenta anos.

Eles se completam. O que seria do mais velho não fosse a intersecção do segundo?

Nem bem o dia começa e na outra morada chega o amigo Tom. Sempre acompanhado de seus dois amigos cães.

Ele ajuda ao amigo Geraldo a ordenhar suas vaquinhas. Geraldo, pessoinha de alma purinha como água de um riachinho que corre serelepe pelas pastarias o recebe com o melhor dos sorrisos. Um cafezinho quentinho os espera na trempe ainda fumegante do velho fogão a lenha.

Geraldo da Dona Nega vive só. Sua família mora na cidade onde vivo. Se o tirarem dali por certo ele não resiste há mais alguns anos. A sua rocinha é seu paraíso.

Suas vacas são amigas nas quais pode confiar. Seus cães da mesma maneira são amigos de verdade. Suas galinhas não se pode dizer que são amigas. Mas elas são partes indissociáveis de sua vidinha singela naquele pedaço de chão onde mora.

Quando o amigo Tom chega os olhos do amigo Geraldo se enchem de lágrimas. O que seria de um sem a presença do outro.

Essa amizade já dura quase uma vida inteira. Mais de quarenta anos bem me lembro.

Um dia, que já deixou rastros de saudades. Naquela rocinha encantada apeei minhas pernas. Estava fazendo uma caminhada. Bem perto de minha morada rural.

Era um final de tarde. Quase morta. Encontrei os dois amigos apartando as vacas de seus bezerrinhos.

Geraldo e Tom estavam assentados a um banco de madeira.

Proseando sobre a vida que levavam.

Não me deixei ver. Escondido permaneci.

Tom, parador, com aquele vozeirão trovoento. Dizia ao amigo Gerado coisas do tempo.

“Se não chover logo não sei o que vai ser da gente. As vacas não têm mais o que comer. O capim secou. A silagem acabou. A chuva não dá o ar da graça. Se São Pedro não nos acudir não sei o que vai ser no amanhã incerto. Estou pensando seriamente em me mudar de aqui. O que me prende nesse lugar é apenas e tão somente a nossa amizade”.

Ainda meio escondido ainda ouvi o outro amigo confidenciando ao amigo Tom o que ele pensava do assunto.

“Ocê quer mesmo saber? Se ocê se mudar eu mudo. Só não troco sua amizade por nenhuma coisa desse mundo. Se tem alguma coisinha que dou valor é a sua amizade. Amigos como você não sei onde se encontra. Sempre que careço de sua pessoa você não me falta.”

Até hoje eles permanecem juntinhos. Até que a morte os separe. Não como o padre diz no final de uma celebração de casamento.

 

 

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