Cadê a chuva?

Julho adentrou numa sequidão de empoeirar meu coração.

“Empoeirar o coração”?

Foi essa pergunta que saiu da boca do velho Tião.

Como se fosse possível o coração. Protegido dentro do peito. Naquele espaço exíguo. Chamado de mediastino. Entre dois pulmões quando a gente ainda os tem. Durante uma chuvica mansa ele se molhasse. E seu tique taque assoprasse meio fanho. Devido a uma gripinha que dentro da gente se instalou. E teima em não sair. Tinhosa moléstia própria desses tempos secos e meio frios. Que resiste estoicamente até a chegada das chuvas que nem se anunciaram ainda. O céu se mostra numa azulice profunda. Nenhuminha nuvenzinha cinzenta deu conta de esparramar água a gosto. E tomara chegue logo agosto. Prenúncio de setembro. Ai sim as chuvas devem cair a rodo. Fazendo verdejar a pastaria. Encobrir as costelas da vacada magricela. Que definham famintas. A espera desesperadas da tal chuva que pode tardar, mas não falha.

O velho Tião. Cada vez mais descrente de tanta espera a cada madrugada orava contrito numa súplica fervorosa para que a aguada despencasse logo.

Mas, em desacordo com o que dizia a meteorologia a tal chuva não aparecia. Embora não fosse o tempo dela quem sabe de tanto pedir ela atendesse os tais pedidos.

Era meio de semana. Quarta feira ventosa. O céu azul anunciava mais um dia quente e seco.

O velho Tião. Desacorçoado de tudo e de todos. Acordava antes do cantar do galo e dormia junto às galinhas. Empoleirado numa cama velha. Dormindo um cadinho num colchão de palha cheirando a mofo e gambá fedido.

Naquela noite Tião sonhou mais uma vez com a chuva. E acordou ensopado de um liquido com odor de urina.

Deixou a casinha tosca. Tomou um cafezinho requentado na treme ainda fumegante do fogão a lenha.

Era mais ou menos cinco horas da matina. As vacas famintas já o esperavam à beira do curral.

Ele vivia da renda de alguns míseros cinquenta litros de leite. O que mal dava pra seu sustento.

De vez e quando fazia algumas catiras. Numas levava manta. Noutras era a mesma ladainha.

Antes das nove já tinha terminado a primeira ordenha.

A porcada faminta grunhia ao longe.

O velho caminhão leiteiro despencou morro abaixo. Quase atropelou a pobre da Braúna.

Era quase hora do almoço quando Tião apeou na sua casa. Por cima do fogão. Numa lata de banha rasa. Ali retirou alguns nacos de carne de porco.

Deliciou-se com um resto de arroz feito dois dias antes. Uma sobra de tutu com torresmo fez parte daquela refeição.

Mas ainda restava outro meio dia de trabalho duro. Tinha de roçar a pastaria e descobrir adonde estava uma vaca extraviada que sumiu na invernada. Ela estava prestes a parir. Num matinho ensombrado a encontrou. Tentando esconder a cria dos predadores. O mais temido deles era o ser humano já que ladrões de vez em quando afanavam algum pertence dando sopa.

O fim da tarde se punha num calor escaldante. O sol não dava tréguas. A tão sonhada chuva nem dizia boa noite.

E o velho Tião. Cada vez mais em desacordo com São Pedro excomungava aquele tempo seco.

Brandia aos céus seu desalento. Suplicando pela presença da chuva que não vinha.

Eis que, na manhã seguinte desabou um aguaceiro de fazer escorrer enxurradas.

Aquela chuva benfazeja durou um mês inteirinho. E não parava mais.

No mês seguinte o que mais se ouvia era um grito de socorro.

“Por favor, meu bom São Pedro. Feche as torneiras do céu!”

 

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