Até os cinco anos poucas lembranças me assediam.
Já que pra essa cidade me mudei. Daqueles poucos anos as recordações se fazem escassas.
À Boa Esperança retornei uma só vez.
Já bem adulto, quase envelhecido.
O sobrado da dona Didi ainda resiste aos anos. Naquela curta visita pude constatar que aquela casa onde nasci agora se transformou num centro cultural. Mal sabia eu que a literatura iria fazer parte do meu eu anos depois.
Aos cinco anos para essa cidade me trasladei. Não foi por minha vontade.
Também, naquela idade minha opinião não caberia ser posta em discussão. Já que meu saudoso pai. Funcionário de uma casa bancária que tem o nome de nosso pais. Estava sujeito a transferências. Para aqui ou acolá. Segundo critérios antes estabelecidos pra mim desconhecidos. Já que era uma criancinha quase aprendendo o baba.
Já aos cinco pra aquela rua me mudei. A Costa Pereira me viu crescer. Fazer amigos com os quais brincava. E comecei aprender que nem só de brincadeiras deveria caminhar. Já que estudar sempre foi preciso. Para nos encaminharmos vida afora sem tropeços maiores e escorregões. Já que o trabalho dizem dignificar o ser humano. Impedindo talvez que a desumanidade tomasse conta da gente.
Já aos sete comecei a levar a sério os estudos. Se não fui um aluno exemplar fiquei bem próximo do quadro de honra. Na quarta série do segundo grau fui distinguido com uma medalha de nome Erasmo Braga. Essa comenda foi sepultada junto ao meu pai pois tenho comigo que o mérito maior se deve a ele.
Dando um salto nos anos me vi maior de idade aos dezoito. Foi quando me decidi. Por vontade própria que a medicina seria o meu caminho. Aqui na minha Lavras amada não seria possível seguir meu destino. E fui morar na linda Belo Horizonte de antanho.
Aos vinte e cinco me graduei. Já fazem cinquenta anos que me tornei doutor. Sem a titulação devida.
Quanto mais velho fico mais tomo consciência da importância de nossa profissão. Por mais que tentem tirar dela o valor mais me sinto valorizado. Também se foram cinquenta anos de formatura. Aqueles jovens esculápios envelheceram. Muitos não mais estão aqui.
Quanto mais velho fico mais me sinto a vontade de deixar escritos meus pensamentos. E como penso. Durmo pensando no dia seguinte. Durmo cada vez menos. Já que tento aproveitar o máximo o tempo que me resta.
Quanto mais velho fico mais se aproxima minha despedida. Quantos anos ainda tenho de vida? Não penso nisso já que tento encompridar minha existência fazendo da minha vida uma eterna caminhada de rumo desconhecido.
Quanto mais velho fico não tenho de dar satisfação a outrem senão a mim mesmo. O conceito que fazem de mim já não importa tanto. Já que vivi tantos anos pra mim só diz respeito o respeito que meus pais mereciam. Em vida, já que depois da morte eles só inspiram saudades. Dos tempos bons que eles dois viviam ao meu lado. Naquela casa que hoje só mora no meu coração.
Quanto mais velho fico mais penso no passado. Ele só me traz doces recordações.
Quanto mais velho fico mais me afasto da realidade. Ela se mostra tão dura e cruel que só me faz relembrar dos anos distantes. Quando ainda jovem estudava naquela escola onde hoje estudam meus dois netinhos. Dizem, com muita propriedade e acerto que o Gammon não sai de dentro da gente embora tenhamos saído de dentro dele.
Quanto mais velho fico por certo envelheço. Coleciono rugas e cãs. Não me desfaço delas pois as aprecio. Envelhecer é um privilégio que a muitos é negado. E acabam parando no meio do caminho.
Quanto mais velho fico mais me admiro. E só tenho a admitir essa doce realidade.
Agora só me comprometo a não mais chegar na hora certa. Já que não tenho mais uma infinidade de horas para viver vivo em plenitude máxima o tempo que me resta.
Quanto mais velho fico mais me aproximo de Deus Pai. Já que o meu pai se foi quem sabe nos encontraremos nalgum lugar especial. Que seja num dia também especial. Igualzinho aquele quando nasci. Naquela cidade amistosa agora banhada por um lago imenso. Na velha cidade irmã de nome Boa Esperança.
Quanto mais velho fico mais acredito que a idade não pesa tanto em nossos costados. Desde que estejamos preparados para tornar a velhice não em nosso canto de cisne. E sim numa idade especial. Quando nossos netinhos nos fazem pensar em rejuvenescimento ao lado deles.