Éramos 160

Ilustres desconhecidos. Até então.

O que unia aquele grupo de jovens estudiosos era um ideal comum.

A medicina era seu foco.

Alguns, desde cedo, pensavam seguir os princípios Hipocráticos. Outros mais tardiamente.

Era o ano de um mil novecentos e qualquer coisa. Creio eu ter sido no final de mil novecentos e sessenta e nove que todos nos juntamos naquela faculdade de ótimo conceito em todo pais.

Não foi fácil conseguir sucesso na aprovação do vestibular. Já bastante concorrido desde então.

Nossa turma adentrou à faculdade já no começo do ano letivo. A segunda teve de esperar o segundo semestre começar.

Foram dois anos a espera de ver pela vez primeira as matérias de nossa predileção.

Naqueles idos anos o curso de medicina era comum a outros de ciências biológicas. Daí a tão sonhada escola tinha de esperar.

Foi ao final do segundo ano que tive meu primeiro contato com aquelas pessoas que já passaram a outra vida e nos permitiram aprender com seus restos mortais.

A anatomia me encantava. Mesmo com aquele odor nauseabundo de formol.

Uma vez na escola da Alfredo Balena. A partir do terceiro ano. Foi então que a ciência médica começou a tomar vulto em nossas entranhas.

Éramos cento e sessenta nesses tempos áureos quando ainda jovens pretensos esculápios.

Já nos sentíamos velhos conhecidos. De a z já havíamos aprendido os nomes de cada um de nós.

Fomos a derradeira turma de cinco anos. As demais deveriam permanecer na escola um ano a mais.

Foram anos de aprendizado e gentil convivência. Se não fossemos amigos um elevado espírito de coleguismo nos fazia seguir adiante.

Depois a vida profissional nos apartou.

Tínhamos de continuar nossa formação profissional. A residência medica era outro obstáculo em nosso caminho.

Acabei optando pela urologia. E vim ter aqui nessa cidade que tanto amo.

Outros colegas foram exercer seu oficio em suas cidades natais. E não mais nos vimos.

Aqui, na minha amada Lavras, dois colegas de turma estão comigo.  Dois pediatras posso citar: doutores Dirceu Azevedo e Eugênio Gomez são do meu tampo. Doutos senhores ainda não jubilados tanto da vida como da arte de curar.

Cinquenta anos se foram. Parece que foi ontem que recebemos nosso canudo naquele ginásio lotado da capital das Minas Gerais.

No próximo dezembro estaremos completando cinquenta anos de formação na área médica.

Pena que não estarão presentes alguns de nós.

A lista da saudade se alonga em 25 nomes.

Como bem me lembro do Nelson Antônio Corrêa. Prefaciador de um dos meus livros que me chamou de menino Bentevi. Assim como do Arquimedes, da Eliana. Do Emilio, do Francisco Eschetino, do outro Francisco que assinava Pitangui. Como também do Gláucio Heringer e do Humberto que não estão mais aqui. Do holandês caladão que se chamava Leonardus. Da esquistinha Mirinha. Um doce de gente. Do parrudo Orville Peres Galastro ortopedista que deixou Nova Lima de luto. E do não menos querido Paulo Roberto Ferreira Henriques. Que nos deixou prematuramente. Todos esses listados acima foram colegas da prateleira de cima. Faltam alguns falecidos. Não me esqueço deles todos. Logo nos veremos de novo. Quando no céu iremos celebrar nossa difícil arte de curar.

Éramos cento e sessenta quando adentramos à escola de medicina. Cinquenta anos se foram.

Naquela noite solene nos apartamos. Nos idos de um mil novecentos e setenta e quatro.

Vamos nos ver de novo em dezembro próximo. Faço questão de abraçar a todos vocês. Não sei se vai ser a última vez. Espero que não.

Quase uma vida nos separa. Tomara um dia nos encontraremos no mesmo lugar onde nossos colegas falecidos moram. E talvez iremos conseguir atenuar tamanha  saudade.

 

 

 

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