Não que se avizinhe a minha despedida. Espero que minha partida esteja bem distante de acontecer.
Mas, precavido que sempre fui, já que um dia terei de desocupar meu lugar. Deixo aqui, nesse texto de hoje, bem cedo, minha crônica testamento. Não uma carta de muitas laudas. Escrita a mão desarmada de sentimentos. E sim um escrito recheado de desejos. Os quais sinto deveras. Não minto nem omito detalhes. Não sonego letras e frases feitas todas elas denunciando momentos. Pelos quais passei e ainda pretendo passar.
Deixo como legado aqueles que me sucederem meus livros todos que editei. Foram ao todo vinte e um deles. Crônicas, então, tenho arquivadas aqui, nesse meu computador sofredor, mais de vinte mil. Todas elas retratos fidedignos de um cotidiano inspirado. Momentos passados em minhas andanças pelas ruas e estradas. Corri muitas léguas. E ainda corro de mim mesmo e não me encontro.
Deixo como legado aos meus netinhos o prazer de tê-los ao meu lado. Em nossos folguedos vários. Quando seus pais deixaram-nos aos meus cuidados. Foi um prazer inenarrável desfrutar de suas companhias. Pois naqueles instantes mágicos me remocei.
Deixo nessa crônica testamento meu desejo explícito de que – quando eu não mais estiver por aqui. Não se debulhem em lágrimas. E nem demonstrem sentimentos que não sentem. Sintam em verdade a minha ausência. E não comentem com falsos amigos como eu era bom. Já que não sentem o mesmo de minha pessoa quando em vida.
Deixo aqui, nesse meu legado pós mortem. Não digam o quanto irão sentir minha falta. Que minha ausência será sentida. Não cometam tais impropérios. Pois bem sei que durante a vida que vivi poucas pessoas disseram que minha perda será lastimável. Que aqueles que vierem depois me mim dirão- “como o doutor escritor Paulo Rodarte escrevia bem. Até hoje leio e releio suas crônicas. Seus livros tenho como de cabeceira”.
Deixo como legado. De papel passado. Não uma grande soma em dinheiro. E nem ao menos um patrimônio respeitável. Mas que me respeitaram. Como ao meu pai. Pela minha ética e decência. Pelas minhas noites insones. Quando tinha de voltar ao hospital para atender pacientes recém operados. Que tiveram a infelicidade de terem suas sondas obstruídas. Mas graças ao bom Deus eles voltaram a urinar bem.
Deixo aqui, nesse bilhete testamento, não uma carta reescrita a um par de mãos. O meu desejo que continuem a viver. Desde que o prazer não morra dentro de vocês. Que a saúde não os abandone. Que não tenham de respirar à custa de respiradores artificiais. Que não se sintam mortos vivos num leito de hospital qualquer.
Deixo como legado a vocês meu sorriso brejeiro. Minha alegria contagiante. Meu bom humor constante.
Deixo ainda minha boa vontade de ser útil. Enquanto minha vida persistir. Nesses anos mais que me restam.
Deixo como legado o meu desejo que continuem a ler meus escritos. Enquanto ainda conservar minha lucidez e a inspiração não finar dentro de mim.
Deixo aqui. Nessa missiva rápida. Aos que passarinharem os olhos no que deixei escrito. Toda a minha dedicação as letras. E através delas formar palavras e frases curtas. Como bem me ensinou o saudoso professor Russi. De saudosa memória. Por quem tive e ainda tenho sonora admiração.
Deixo como legado às futuras gerações. Que não se olvidem de mim. Que se lembrem de quem fui com saudade e respeito. O mesmo respeito que os idosos merecem. Pois foram eles que nos deram a vida. E o melhor que puderam.
Como legado a vocês deixo a saudade. Daqueles verdes anos que não voltam mais.
E, se por acaso de um descaso sentirem saudades de mim. Atenuem essa saudade lendo meus escritos. Eles falam um cadinho de quem fui. E ainda pretendo continuar sendo.