Hoje, fechando a semana, sábado se avizinha, fui dar uma breve caminhada pelas ruas semi desertas de nossa cidade.
Ruas vazias. A escuridão de outono se podia ver. Um carro ou outro se apressava em direção a algum lugar pra mim incerto.
A praça acordava de seu sono verde arbóreo. A calçada no entorno bocejava sonolenta.
Naquela hora, quase madrugada, meus olhos não podiam ver, como de outra vez, um vulto humano dormindo num banco da praça.
Tudo fedia ao silêncio. Nenhum passarinho já acordado entoava seu canto madrugão.
Eu e mim mesmo me fazia companhia. Também pudera. Quem, em sã consciência, se atreveria a deixar a cama naquela madrugada fresca de outono? Somente algum insano. Um madrugador contumaz se atreveria a caminhar solitário pelas ruas ainda desertas de nossa amada Lavras.
Tentei dar bom dia a Tipuana. Mas ela nem ao menos retribuiu ao meu gesto carinhoso. Pensei tê-la ouvido me dizer: “vai dormir seu doutor. Sei que o senhor está acostumado a acordar cedo. Mas eu e minhas irmãs passamos a noite inteira acordadas. Temendo algum vândalo, trocando as pernas embriagado, urinar em nosso tronco vetusto. Ou por acaso tentar dizer- árvore velha como essa deveria há muito tempo ser trocada por alguma muda bem jovem. Algum dia ela vai tombar mortinha nesse calçadão, pondo em risco algum passante desavisado. Então deixe-nos dormir mais um cadinho. Sono faz falta. O senhor, como médico, não sabe disso”?
Deixei a velha Tipuana entregue ao seu despertar outonal. E me dirigi mais abaixo pertinho da padaria onde costumava tomar meu desjejum frugal.
Foi exatamente ali que pensei ter visto uma casa entregue ao abandono.
Não sei se devido ao sono que ainda restava de minha noite mal dormida ou seria verdadeira a minha visão.
Aquela casa era tinta de um rosa pálido como defunto prestes a ser enterrado. Uma tintura desbotada carecendo de outra demão de tinta.
A porta ringia de tão velhusca sendo devorada por traças e cupins.
Entrei por ali. O velho assoalho, esburacado, mostrava, por baixo, um porão morada de morcegos que se dependuravam de cabeça para baixo. Entrei cômodo por cômodo.
A sala principal, onde a família que ali morava tomava refeições, me pareceu esperar por alguém que por certo não era eu.
Entrei pé ante pé para não afundar minhas passadas no velho e carcomido assoalho feito anos atrás. E as tábuas ringiam. Pensei inclusive que as portas se abriam sem que eu manifestasse meu desejo de entrar por elas. Dos banheiros não saia água. Canos enferrujados se viam nas paredes feitas de adobe.
A velha casa me pareceu pedir ajuda. Pensei tê-la ouvido me suplicar: ”por favor. Me ajude a suportar o peso dos anos. Fui construída antes desse século. Um dia irão me escombrar. Sei que mereço mais consideração por ter tantos anos. Deveria ser tombada. Não demolida. Antes de sair diga a alguém a situação em que me encontro”.
A minha visita foi rápida. Ainda tive tempo de olhar uma velha fotografia na parede da mesma sala. Um casal e uma linda menina me olharam com olhos tristes e de um olhar profundo. Eles pareciam me dizer: “a nossa velha casa. Onde vivemos tanto tempo. Está entregue ao abandono. Não permita que a joguem ao chão. Faça alguma coisa em prol de nosso passado.”
De lá sai pensando no abandono que muitas edificações como aquela se deparam.
Embora sabendo que, no lugar de velhos casarões nascem espigões, sinto pena de mim mesmo.
Voltei à casa com a mesma sensação de abandono do velho casarão rosa.