“É ver pra crer”. Dito sempre reeditado por meu amigo Chico Bento.
Sujeito há muitos anos passados dos setenta. Acostumado a ver a madrugada, da janela de sua casa, abrir os olhos remelentos de sono.
Gente da prateleira de cima. Que, naquela idade em que muitos se sentem alijados da vida nunca pensou em se aposentar.
Sempre ouvi de sua boca desdentada essa conversa a qual repito agora: “nós, bem o conheço, vamos morrer trabalhando. Ficar de papo pro não faz parte de nossa crença. Somos acostumados a acordar cedo. E enfrentar estoicamente tudo aquilo que vem pela frente. E, quando formos intimados a nos despedirmos da vida que seja um dia de São Nunca. Um santinho milagreiro pra mim desconhecido”.
Um dia desses ouvi um pretenso paciente, que desejava saber da minha zelosa secretária qual a idade do médico que iria atendê-lo. Foi quando ela respondeu a sua pergunta: “ele em muito já passou dos trinta. Tem a experiência conquistada em quase cinquenta anos na especialidade. Aprendeu, nesses anos todos, a ouvir mais e errar menos.”
Foi numa quarta feira que nem me lembro de quando foi, exatamente, que por aqui passou o velho Chico Bento.
A sua queixa era pertinente a urina. Que saia em gotinhas miúdas e muito dolorosas.
Até aquele momento, ele, por absoluta falta de tempo, não havia tido o cuidado de deixar examinar a sua próstata.
Embora soubesse da importância de, quando passasse dos quarenta e cinco, comparecesse ao consultório do urologista. Ele por certo iria pedir um exame de sangue de nome PSA. E, de posse do resultado desse exame iria escrutinar a saúde de sua próstata através de um exame que não dói nada e não tira pedaço e não causa dependência.
Assim o fez. Aconselhado por um amigo.
Naquela tarde de quarta feira, em pleno outono, ele aqui chegou vindo de longe.
Do lado de fora escutei a conversa dele com minha secretária: “o doutor, quantos anos ele tem? Eu já passei dos oitenta. Um compadre me recomendou me consultar com ele. Quanto é a consulta?”
Dito e feito. Ficha pronta ele entrou receoso do que iria acontecer.
Chico Bento, embora tenha nascido na roça, tinha o saudável costume de ler.
Naquela idade tida experiente já tinha passado os olhos em mais de não sei quantos livros. Segundo ouvi dele mesmo eram mais de quinhentos.
Quando aqui ele entrou. Conferindo suas nádegas ao assento. Defronte a minha cadeira.
Ao ver tantos livros por mim escritos. Uma pilha enorme cheia de títulos. Dele ouvi essa exclamação de estupor.
“E eu pensava que já tinha visto de tudo. Mas um médico escritor. Com tantas obras editadas é a primeira vez. Nunca vi isso tudo”.
De fato. Por sorte tenho a dádiva e o prazer de escrever. O que seria de mim sem tudo isso…