Sinto falta

Sentir demonstra sensibilidade.

O que tenho de sobra.

Sinto falta de quase tudo. Ao mesmo tempo de nada.

Sinto, e ao mesmo tempo pressinto, de quando era jovem.

Aos cinco anos vim ter aqui. Nessa cidade linda que não é meu berço, mas é como se fosse.

Mal me lembro da minha cidade natal. Boa Esperança faz parte da minha história. Um capítulo quase olvidado. Quase sempre lembrado nos meus textos. Que somam a quase vinte mil.

Sinto falta quando passo os olhos naquelas velhas fotografias que trago às minhas costas. Algumas delas mostram eu menino. Lourinho, trajando um terninho azul escuro.  De dedo em riste apontando para algum lugar. Já outra, nos braços da minha querida tia Cida. Irrequieto, como ainda sou, tentando me livrar dos seus braços. A terceira estou num cercado telado. Do jeitinho que vim ao mundo. Quase perdendo a minha fimose para um bando de galinhas brancas. Já a quarta mostro-me nos ombros forte do meu pai. Ao lado daquela da qual sinto falta. Já que ela se foi há tempos atrás.

Sinto tanta falta dos meus poucos anos. Quando ainda criança brincava naquela rua de tantas lembranças ternas. Aquela rua ainda existe. E por ela passo ao cair das tardes. Em direção ao mesmo clube hoje bastante mudado.

Sinto falta ainda de quando recebi meu primeiro diploma. A minha vida escolar estava apenas começando. Como sinto falta dos meus poucos anos. Quando dona Beliza me ensinou o baba.

Sinto a ausência dos meus amigos de infância. Pra onde foram os meninos da Costa Pereira? Pergunta essa que já fiz outras vezes. E a resposta ainda não a tenho por completo.

E como sinto falta das férias de fim de ano. Passadas naquela fazendinha de nome Cachoeira, de umas tias avós. Das queridas tias Mariana e da sua irmã Leonor. Solteironas que adotaram os sobrinhos como se fossem filhos próprios. Dos banhos de bacia. Daquela mesona farta. Onde se reunia a sobrinhada em prosas que terminavam antes da noite virar dia.

Sinto falta ainda daquela noite, anos mais tarde, quando, naquele ginásio da capital mineira, nós, médicos becados, recebíamos o canudo. Um reles certificado. Ponta pé inicial de nossa vida profissional. Já perfazem cinquenta anos essa data memorável.

E como me faz tremerem as mãos. De quando aqui cheguei. Anos passarinham. Vindo da Espanha. Naquele centro cirúrgico parcamente iluminado. Tive meu primeiro paciente operado. E felizmente transcorreu bem a operação.

Sinto tanto a falta do rela do jardim. Quando nós nos cruzávamos em sentidos opostos.  E de olhos gulosos me encantei com seus olhos castanhos. E mais ainda com seu sorriso contido. E eu não me contive. Pedi-a para namorar.

Sinto falta ainda dos natais passados. Quando ganhei, sem mandar cartinha ao Papai Noel, deparei-me com aquela bicicleta de rodinhas amarelas. Das quais me desvencilhei anos mais tarde.

Sinto falta da falta de pressa a que estamos sujeitos nos dias de hoje. Cada um sem tempo de parar um cadinho. Para contemplar a beleza das flores. O farfalhar do vento. O despertar das manhãs.

Sinto falta da falta de amizade de verdade. Do desinteresse verdadeiro que cada um de nós demonstra para o seu próximo. Cada um mais distante da amizade sincera.

Sinto falta de não ter tempo de admirar o murmúrio do silencio. De poder dormir até mais tarde. Já que novo dia nos acena com a agenda recheada de compromissos.

Sinto falta de não poder rever velhos amigos. Já que muitos deles já se foram. E eu não sei o que me reserva o porvir.

Sinto falta de tantas coisas. Faz parte delas uma lista enorme. Que se ficasse aqui enumerando todas. Esse texto não teria fim.

Sinto falta ainda daquela menina. A qual hoje se tornou avó dos netos meus.

 

 

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