Acabamos de entrar na quaresma. Fecha os olhos o carnaval.
Todos têm seu dia.
Uns mais prematuramente. Já outros o mais tardar do alvorecer.
Inevitavelmente as horas passam. Minutos se sucedem. Os segundos passam frenéticos como as asas dos beija flores.
Não há como deter a passagem do tempo.
Quando se vê não temos mais vinte anos. Dez anos depois entramos nos trinta. Quarenta, dez mais, setenta e mais quatro me viram nascer.
E quantos anos mais terei pela frente? Não penso nisso. Contento-me em sobreviver.
Se fosse pensar na vida que tenho levado só tenho a agradecer.
Pois fui agraciado com pais amantíssimos. Que tudo fizeram para que eu crescesse, não tanto, mas tenho a altura suficiente para compreender o quanto eles me amavam e eu tentava retribuir ao amor que eles me dedicavam. Mas me lastimo, que eu poderia ter feito mais quando meu querido pai se foi alquebrado por insidiosa enfermidade. E acamado, deixando uma lacuna imensa a sua partida. Mas me contento por ter chegado o seu dia. Quando um dia há de ser o meu.
Chega um dia, pra muitos inesperado, quando nossos olhos se fecham para nunca mais se abrirem.
É chegada a hora da nossa partida. Pra onde? Por vezes me indago. Não será para aquela cova escura tão somente. Seria muita pretensão minha desejar um lugar melhor. Seria para o alto. Nesse dia cinzento o céu se mostra taciturno e carrancudo. É que choveu pesado durante a noite. O sol ainda não deu as caras. Ele, dorminhoco, deve estar de ressaca depois do carnaval que se embebedou no baile com as estrelas.
Quantas e quantas vezes, ao entrar na ante sala da morte, nos hospitais ela se chama centro de tratamento intensivo – CTI. Deparei-me com pessoas agonizantes. Percorri leito por leito. Naqueles boxes semi fechados. Uns acortinados. E vi pacientes de olhos cerrados. Mantidos vivos respirando por aparelhos. Sondas enfiadas em pertuitos vários. Sem sequer poder manifestar sequer seu último desejo: “por favor, me deixem partir”.
Um dia chega a nossa hora.
Que a minha se retarde a muitas e muitas horas. Embora saiba quem sou eu pra decidir?
Que eu esteja preparado para quando a minha hora vier. Que nunca venha durante o dia. Na escuridão da noite eu prefiro. Já que meus olhos vão estar fechados não será preciso que outrem o façam por mim.
Quando a minha hora chegar, que chegue de mansinho. Se pudesse escolher a hora de minha partida já tenho a data e hora. Que seja num trinta e um desse mês em curso. À hora deixo a critério de vocês.
Quando chegar o meu dia que eu parta ao infinito a morar junto às estrelas. Quem sabe meus pais ali se escondem. Que bom se a minha última morada vai ser junto deles.
Não tenho como protelar minha partida. Uma vez chegada a minha hora nada mais tenho a fazer senão ir embora. Que eu possa dizer- já vivi o bastante. Já escrevi mais de tantos livros. Já caminhei distância mais que suficiente para percorrer da terra a lua. E se disserem que eu vivo no mundo da lua não me sinto contrariado. Quem sabe é lá que eu moro. Em outra galáxia longe dessa terra ingrata.
Bem sei que, uma vez chegada a minha hora, o meu dia vai ser um dia, quem sabe o meu dia vai se alongar tanto. Já que não irei viver eternamente. Que eu deixe como legado meus escritos. Meus livros. Minhas memórias.
E quando eu tiver de partir que deixe saudade de mim. Não por mim apenas. E nem pelos versos que não sei poetar. E sim pelas memórias que tanto prezo em deixar.
Eis que um dia chega. A nossa hora acontece. Não conto horas. Nem minutos. Não conto prosa nem versos.
O dia em que minha hora chegar lhes peço. Ou melhor suplico. Não joguem flores no meu túmulo. Nem derramem lágrimas a minha despedida. Simplesmente manifesto meu único desejo. Não digam nunca que ele viveu sem amar quem o amou de verdade.
Um dia vai chegar o meu dia. Como há de vir o de vocês.