Para Maria das Graças o carnaval perdeu a graça

Pra onde foi tanto riso. Já que coloriram a máscara negra de um branco desbotado. E ela se perdeu em meio a tantas desilusões?

Onde se escondeu o Pierrô apaixonado? Já que aquela linda Colombina o deixou a ver navios enamorada no pirata da perna de pau?

O carnaval pra mim também perdeu a graça. Nessa desgraceira toda em que vivemos. Cada um pensando apenas no seu um. Sem se importar com o próximo cada vez mais distante.

Antes, nos bons tempos que lá se vão, a gente jogava serpentina, cheirava lança perfume sem nos importarmos com as consequências daquele ato meio tresloucado. E não éramos taxados de usuários de drogas. Pois a nossa vida estava longe de ser uma droga de vida. E muito menos, quando sem querer querendo passávamos a nossa mãozinha boba no traseiro das meninas não éramos acusados de importunação sexual.

O carnaval pra mim perdeu o encanto. Os bailes de salão se desfizeram na bruma da cerração. O clube da minha cidade ainda existe. Pertinho da mesma praça. No mesmo jardim onde mora a Tipuana. De olhos e galhos atentos. Mesmo amuletada um dia ela um dia vai cair.

Dantes, quando jovem ainda, se bulia com a mocinha ao lado não era intimado a ir à delegacia. Embora ela fosse a preferida outras faziam parte do meu harém. E nem por isso a gente ficava de mal. E sim de bem com a vida. Que era mais colorida e me encantava mais.

Já agora, quase na aurora da minha vida, penso estar na hora de criar juízo. Mas quem diz que eu pretendo me enveredar pelo bom caminho. Já que já errei tantas vezes. E pretendo continuar do meu jeitinho moleque. A ser chamado de doutor Paulo prefiro que me chamem de Paulinho da dona Rute.

Já para a minha querida amiga Maria das Graças. Que dantes era uma gracinha de menina. Mas com o passarinhar dos anos foi perdendo a graciosidade. Hoje é uma balzaquiana desprovida de encantos mil. Quando elazinha desfilava na avenida era um furor de beleza. Seu traseiro arrebitado nos fazia pensar no pecado. Suas pernas morenas eram uma intimação a serem tocadas. Sua cintura fininha era mais um convite ao seu enlace. E seus lábios carnudos nos lembravam uma picanha rechonchuda daquelas que se derretem na chama da churrasqueira.

E como Maria das Graças tinha a graciosidade de uma miss de maiô bem cavado na cacunda. Pra não dizer bunda.

Quando ela desfilava a gente olhava sem maldade nenhuma. Minto.

Agora, que os anos se foram, ela perdeu metade da formosura. Mas ainda conserva no retrato em preto e branco desbotado, dependurado na parede, os mesmos traços de beleza da sua juventude extraviada.

Dizem, ao que endosso, que velhice é uma fábrica de monstros. Olhem-se no espelho! Ele não mente.

Maia das Graças se tornou, deveras, uma desgraça manca.

Ela manca sim da perna direita. Uma cruel artrose quase não a deixa caminhar. Seus olhos vesgos não enxergam a um palmo do seu narigão. Sua pele, dantes acetinada, agora se trata de um brim enrugado. Mal lavado e ensaboado diria.

Ela ficou pra titia. Não se casou não por falta de pretendentes, pois era muito exigente. E se fingia de pudica e dizia que iria se casar, um dia na igreja matriz, de véu e grinalda. E ainda jurava e desconjurava, que se um dia se casasse, seria mais uma virgem a ir pra pro beleléu a enfeitar o céu.

Eis que chega mais um carnaval. O ano só começa a partir de então.

Tomara que a quarta feira de cinzas chegue logo.

Para gáudio meu e da minha amiga desgraciosa Maria das Graças.

Ela, que já foi rainha das festas de Momo, se lembra nostálgica dos tempos de outrora.

Em boa hora aqueles tempos se foram. Agora só restam cinzas da fogueira que ela, toda faceira, pulou nas festas de São João.

 

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