Mariazinha, naquela manhã chuvosa, amanheceu chorosa de dor.
E sua amada mãezinha teve de levá-la a um pronto socorro.
Em lá chegando notaram um cartaz com os seguintes dizeres: “doutor Manuel hoje não pôde vir. Uma pertinaz enfermidade levou-o a ser internado. E o segundo doutor que iria substituí-lo não pôde comparecer. Um acidente de trânsito ceifou-lhe a vida. Aquele que precisar de atendimento médico, por favor, recorra a outra unidade símile. A mais próxima fica a um quarteirão acima. Desculpe-nos pelo imprevisto”.
Essa ausência de profissionais de saúde de vez em quando acontece. E é mal interpretada por todos que desconhecem o duro oficio imposto aos profissionais que se desdobram em plantões intermináveis. Tendo de pular de galho em galho. Indo de hospitais a outros. Para incrementar os baixos salários a eles pagos. Jovens esculápios recém graduados. Que ainda não tiveram a chance de completar a sua formação. Já que uma residência médica além de ser dura de ser conquistada. Requer esforço e dedicação que só os fortes e os bravos conseguem lograr êxito.
Já se foram cinquenta anos.
Ainda me lembro daquele dezembro com sabor de vitória. Era dezembro de 1974.
Éramos cento e sessenta jovens médicos becados. A maior parte de nós pretendia ir adiante em nosso caminho naquele dezembro longínquo.
E como me recordo dos dois Pedros. Um vindo de longe. Da sua amada Capelinha onde ele quem sabe ainda milita. O outro, quando nos encontramos em nossa BH, capital de nossa amada Minas. Exercia a função de anestesista num hospital de renome.
E outros tantos colegas. Cento e cinquenta e nove nomes dos quais não me esqueço. O pediatra Dirceu Azevedo mora aqui. O poeta Eugênio Gomes agora só se dá o direito de poetar.
Somos os três mosqueteiros que vieram medicar em nossa Lavras querida. E daqui só sairemos quando Deus nos chamar.
Não me recordo de quando uma doençazinha me mandou à cama. Uma gripinha de nada, uma tossezinha marota devido ao calor e a umidade que tem feito nesses verões chuvosos.
Não tenho o costume de me consultar. Talvez por ser desleixado com a própria saúde ou a me sentir sempre bem na minha rotina de meio atleta. Malho sempre ao cair das tardes. Nado como pato sem nadadeiras. Corro na esteira pensando besteira ao ver tanta moça bonita no andar de baixo.
Se faço exames não é por indicação minha. Dou um lucro danado no meu plano de saúde já que quase não uso.
Uma vez apenas, que eu me lembre, fui internado num hospital. E me evadi daquele nosocômio com uma agulha espetada na minha veia para ser medicado de uma cólica renal que não desejo pra ninguém.
Ah! Já ia me esquecendo como dei trabalho a um colega no pós operatório imediato de uma operação de hérnia no dia seguinte quando pensava receber alta. E o livramento não veio. Foram me buscar lá em casa puxado pelas orelhas.
Sou um médico rebelde. Não sou de pedir exames. A urologia mostra a que veio. Se for uma dor que enseja dor nos rins vou logo, depois de um exame criterioso, um ultrassom bem feito mostra onde a pedrinha se esconde. Mas o tal exame físico, em nossa especialidade, elucida todos os queixumes que o paciente traz a nós especialistas em doenças dos rins, vias urinárias e aparelho genital masculino.
Um dia a menina Mariazinha perguntou à sua mãezinha se porventura de uma desventura médico pode ficar doente.
Eu responderia a elazinha: “pode não! Se não vão nos culpar”.