Por vezes me pergunto: “vale a pena”?
A resposta nem sempre é fácil.
Como aprender andar de bicicleta depois de tirar as rodinhas. Amar e não ser amado. E como é difícil sofrer uma desilusão amorosa.
Ver aquele amor trocá-lo por outro depois de tudo que fizestes por ela.
Pra que viver se a vida tem sido tão dificultosa? Tormentosa como uma tormenta que caiu no dia de ontem destelhando casas e muitos ficaram ao desabrigo.
Pra muitos viver não passa de sofrimento. A procura da razão maior de viver, que se chama felicidade, não a encontramos por mais que a procuremos. E ela se esconde fora dos nossos olhos inquiridores.
Pra que sonhar tanto se a maioria dos sonhos se esboroam. Mas dizem que sonhar é preciso. Eu sempre sonho. Pena que alguns destes sonhos se transformam em pesadelos.
Quando aqui cheguei, e teve começo minha vida profissional, trazia da Espanha a maleta de médico recheada de sonhos.
Sonhava de olhos abertos praticar uma medicina de ponta. Já que aprendi, em terras d’além mar, a operar próstatas pelo canal da uretra. Na época era uma intervenção pioneira por aqui. Nunca havia sido feito tal procedimento. Tive alguns percalços nos primeiros casos. Mas de insucesso e outro fui aprendendo.
De repente, não ainda cansado de tanto trabalho, pois considero a labuta uma bênção até nos dias de hoje. Pensei sonhando em aliar a vida de médico a outra considerada díspare.
Naqueles idos anos ser médico e fazendeiro era uma ocupação muito em voga.
Assim o fiz.
Comprei um pedaço de terra na zona rural de Ijaci.
Foram quase quarenta tentando entender o porquê de o leite ser branco saído de uma vaca pretinha como jabuticaba madura. Levei manta. Fiz catiras que me deram prejuízo.
Era um retireiro a cada ano. E tantos desenganos passei.
Agora, não aposentado por completo, a medicina ainda me seduz. Passei o bastão de tirador de leite a um amigo. Roberto sim. Entende de vacas e suas crias.
Mas não queria perder o elo com a vida na roça. Tirar leite nunca mais. Embora ame tomar leite frio. Tirado na hora que bem que faz.
Hoje fui sozinho à minha rocinha antes prejuizenta. Como de rotina assim o fiz.
Em lá chegando encontrei nuvens cinzentas a minha espera.
O derredor cheirava à abandono.
Na volta passei pela rocinha do amigo Geraldo. Encontrei-o solitário a espera de visitas que não apareciam quase nunca.
Despedimo-nos amistosamente. Ele me confidenciou que estava de malas prontas a deixar sua roça. Que havia passado adiante as vacas que tanto amava a um preço irrisório.
“Ninguém quer comprar nada que a gente tenta vender. Na roça nada tem valor.”
Pra que sonhar tanto? Vale a pena tamanho sacrifício?
Pra que gastar rios de dinheiro se a gente não tem companhia para fazer o que apreciamos?
Eu aprecio tanto a vida simplesinha, mas a maioria não comunga das minhas predileções.
Pra que nos esforçarmos tanto se não temos retribuição?
Vale de fato a pena investirmos em cultura editando livros se a maior parte da população brasileira nem sequer uma vez apenas comprou um livro?
Disse um poeta português que tudo vale a pena se a alma não se apequena.
E a minha deve ser grande demais, pois sempre fui um sonhador. Um Dom Quixote montado no Rocinante tendo como escudeiro um Sancho Pança desbarrigado.
Se me perguntarem pra que tudo isso. Eu respondo num piscar de letras.
Eu adoro escrever. E sonhar, mais ainda…